CINEMA: “Tudo o que Imaginamos como Luz” / “All We Imagine as Light”
Realização | Payal Kapadia
Argumento | Payal Kapadia
Fotografia | Ranabir Das
Montagem | Clément Pinteaux
Interpretação | Kani Kusruti, Divya Prabha, Chhaya Kadam, Hridhu Haroon, Azees Nedumangad, Anand Sami, Lovleen Mishra, Madhu Raja, Shweta Prajapati, Tintumol Joseph, Ardra K.S., Sisira Anil CK, Aparna Ram, Kashish Singh, Nikhil Mathew, Bipin Nadkarni, Snehalata Siddarth Tagde, Abhay Limaye, Sanjay Balu Ghanekar, Shailaja Shrikant
Produção | Julien Graff, Thomas Hakim
França, Índia, Países Baixos, Luxemburgo | 2024 | Drama, Romance | 118 Minutos | Maiores 12 anos
UCI Arrábida 20 - Sala 17
30 Dez 2024 | seg | 14:05
Uma das razões pelas quais este filme tem sido tão amplamente elogiado – saiu de Cannes com o Grande Prémio do Júri – deve-se ao facto de Payal Kapadia ter feito algo de relativamente novo com uma das cidades mais filmadas do mundo. Dando a ver Bombaim e os seus ambientes como lugares vivos em vez de meros cenários para espectáculos de canto e dança, a realizadora chama para primeiro plano as ruas e vielas, bem como as pessoas comuns que as percorrem diariamente, ao invés dos habituais cenários povoados de heróis de Bollywood. Neste contexto, não é de estranhar que as principais personagens do filme sejam duas enfermeiras que partilham o mesmo apartamento. Prabha, a mais velha das duas, esquece-se dos horários no Hospital, depois de o marido ter ido trabalhar para a Alemanha e não dar notícias há mais de um ano. Anu, a outra enfermeira, vive agarrada ao telemóvel e está envolvida num romance promissor, apesar da pressão dos pais para lhe arranjarem um noivo. Embora o trabalho de ambas lide com a vida e a morte, nenhuma delas ambiciona salvar o mundo, antes conservar um tecto sobre as cabeças e encontrar a felicidade ou, pelo menos, um pouco de paz.
“Tudo o que Imaginamos como Luz” desenvolve uma subtil complexidade na maneira como a realizadora trabalha a questão da transitoriedade e da impermanência através da relação das mulheres entre si, da forma como posiciona os homens nas suas vidas e, principalmente, como mostra Bombaim, considerada aqui de um modo muito masculino, ora atraente, quase idílica, ora fria e distante. Talvez Kapadia não faça mais do que muito do cinema paralelo e independente indiano, mas que nunca teve sobre si os holofotes de um grande festival: Ela limita-se a observar, calma e atentamente, o espaço em volta, tratando com especial carinho as suas personagens nos mais variados aspectos. Percebê-lo é perceber que este é um filme escrito e realizado por uma mulher, alguém que conhece perfeitamente a forma como as mulheres falam, agem e se inter-relacionam no final de um longo e cansativo dia de trabalho. E, naturalmente, perceber que este cuidadosamente trabalhado com a intenção de cortejar o olhar e os gostos europeus.
Muitos dos detalhes do filme são específicos desta que é a sétima cidade mais populosa do mundo, com os seus quase vinte milhões de habitantes: os pratos que as mulheres preparam, os dialetos falados, as carruagens exclusivas para o sexo feminino, a diferença abismal entre ricos e pobres. Kapadia traz tudo isso para o presente, compondo uma obra contemplativa, nascida dos processos de acelerada transformação social que a Índia atravessa e, muito em particular, Bombaim. E não é preciso morar-se na imensa metrópole para saber que esta é a realidade de quem lá vive. Tão pouco precisamos de ser mulheres para compreendermos o seu dia a dia. Na universalidade da sua mensagem, a realizadora procura preservar a imagem destas mulheres, convidando o espectador a abraçar as suas lutas e atribulações, sonhos e frustrações, em busca de um futuro melhor numa sociedade em que nada é definitivo. Tão simples quanto isto!
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