TEATRO: “Trilogia Cadela Força - Capitulo I: A Noiva e o Boa Noite Cinderela”
Concepção, texto, dramaturgia e direcção | Carolina Bianchi
Direcção técnica, desenho de som e música original | Miguel Caldas
Cenografia, arte e design gráfico | Luisa Callegari
Figurinos | Tomás Decina, Luisa Callegari, Carolina Bianchi
Interpretação | Alitta, Carolina Bianchi, Chico Lima, Fernanda Libman, Joana Ferraz, José Artur, Larissa Ballarotti, Marina Matheus, Rafael Limongelli
Produção | Metro Gestão Cultural, Carolina Bianchi Y Cara de Cavalo
150 Minutos | Maiores de 18 Anos
Teatro do Campo Alegre - Grande Auditório
23 Nov 2024 | sab | 19:30
“Não quero esquecer nada. Se esquecer algo, esquecerei tudo.”
Fernando Bolaño
Foi no dia 8 de Março de 2008 que Pippa Bacca e Silvia Moro, duas artistas italianas, partiram de Milão com destino a Jerusalém, projectando atravessar a região dos Balcãs, a Turquia e países do Médio Oriente como a Síria e o Líbano. Na performance à qual chamaram “Brides on Tour”, duas mulheres viajam para celebrar o casamento entre os povos, para falar de paz, encontro e confiança entre os homens. E mostrar que, acreditando nos outros, apenas há a esperar o bem. Um projecto complexo, uma viagem à boleia por países devastados por guerras, com as artistas em palco, nos seus vestidos de noiva, vinte e quatro horas por dia. Pouco mais de três semanas após o seu início, a performance é interrompida de forma trágica, com Pippa a ser assassinada pelo homem que lhe deu boleia nas proximidades de Istambul. Quem era Pippa Bacca? Qual o contexto da sua performance? Pretendia provar o quê? Estas questões inquietaram a encenadora e autora Carolina Bianchi, levando-a a querer saber mais sobre a artista italiana.
A protagonista está morta, empenhando-se Carolina Bianchi em explorar todas as possibilidades tendentes à sua ressuscitação. Daqui nasce “Cadela Força”, uma trilogia cujo primeiro capítulo se intitula “A Noiva e o Boa Noite Cinderela”, peça performativa que resulta num perturbador exercício de memória, queda num buraco no meio do deserto, mergulho numa bebida envenenada, poema dantesco de descida aos infernos na evocação de acontecimentos de violação e feminicídio. Ao envolver o espectador no seu grito de denúncia, a peça leva-o a interrogar-se sobre a morte desta mulher e a sua confiança absurda na Humanidade, algo que só alguns de nós, muito poucos, conseguirão compreender. Em percursos de vida que chegam a parecer autênticas “roletas russas”, vêm ao de cima casos como os de Eliza Samúdio, amante de um guarda-redes brasileiro, encurralada por este, estrangulada, desmembrada e cortada em pedaços que foram dados aos cães ou de Ana Mendieta, artista cubana cujo trabalho reflectia sobre questões como a violência de género e que foi projectada do 34º andar de um prédio em Greenwich Village, Nova Iorque.
“Em todo o desejo de saber há sempre um pouco de crueldade”, refere Carolina Bianchi, lembrando que a nossa tendência para imaginar e especular penetra fortemente no domínio do teatro. O teatro também abarca os domínios da fantasmagoria, permitindo lembrar o que não foi visto, tornando visível o que foi excluído e que regressa, sob a forma de arte, para acertar contas com o passado. Esta será, porventura, a única forma de encontrar na peça um vínculo a uma arte que não serve para abarcar tudo, por muito amplo que seja o seu braço. Serve isto para dizer que “A Noiva e o Boa Noite Cinderela” é mais uma performance e menos uma peça de teatro. As personagens em palco, à excepção de Alitta, já na fase final do espectáculo, pouco mais fazem do que obedecer ao desenho coreográfico que lhes cabe interpretar, e a própria Carolina Bianchi, após um longuíssimo monólogo, vem reforçar a ideia da performance ao consumir uma droga que a põe a dormir durante mais de metade da peça. O texto é fortíssimo e merece nota muito alta, lamentando-se que na maior parte do tempo seja projectado em simultâneo com a acção em palco, o que faz com que muita matéria importante se perca. E há, ainda, a violação da mulher adormecida, uma cena que pretenderia ser chocante mas é apenas risível.
[Imagem: © Christophe Raynaud de Lage | Teatro Municipal do Porto]
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