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domingo, 11 de fevereiro de 2024

LIVRO: "Lei da Gravidade"



LIVRO: “Lei da Gravidade”,
de Gabriela Ruivo
Ed. Porto Editora, Setembro de 2023


“É um sonho antigo da Humanidade, o de poder interferir com o passado. Somos um rebanho de inconformados a olhar para trás, sem perceber que o verdadeiro mérito estaria em modificar o futuro. Bom, mas querer interferir com o futuro é algo muito vago. Precisamos de ser mais concisos, de definir passos e medidas concretas. O velho Tiago morreu de cancro. Eu posso, para já, começar por evitar adoecer.”

“O que terão em comum um velho à beira da morte numa cama de hospital, o escritor de um bestseller, um pré adolescente inquieto e um menino de dois anos com um fascínio por livros? Que destino espera as amigas Maria Ana e Ana Maria? (…) E Marinela? E Mariana? E a mãe solteira que existe em todas elas, fruto de um abandono continuado? E o pai, protagonista do descalabro? E o futuro, que teima em ser passado, e o passado, que teima em ser futuro?” Perguntas e mais perguntas que podemos encontrar na sinopse deste livro e que nos confrontam com seres à deriva, num mundo tendencialmente mais injusto e violento, feito à medida dos ricos e poderosos. Um mundo que neste livro, por força da ficção (ou talvez não), convive com um outro, alternativo, “onde o tempo se sujeita à lei da gravidade - a força motriz que agrega passado, presente e futuro, e dissolve os contornos da realidade”.

O que somos e o que fomos. O que seremos. De forma recorrente, estas mesmíssimas questões vão tomando conta de nós ao longo da vida, conduzindo a essa demanda filosófica em busca de um sentido para a nossa existência. “O tempo é o grande mistério”, lemos na contracapa de “Lei da Gravidade”, e é nele que o livro se espraia, contando-lhe as horas e os dias, tomando o pulso aos seus caprichos e escutando a sua marcha inexorável feita de princípios e fins. Entre passados e futuros (ou vice-versa), Gabriela Ruivo acompanha o quotidiano de uma mão cheia de personagens, baralhando a seu bel-prazer os momentos da narrativa e desconstruindo a linearidade do tempo. No esforço de reajustar as “peças”, o leitor sentir-se-á enredado nas espirais desta história desconcertante e acabará por se confrontar com estranhas forças que parecem puxá-lo para baixo. Sobretudo, será capaz de encontrar o seu próprio lugar na história.

“Lei da Gravidade” é um livro exigente como uma partida de xadrez. Pede ao leitor empenho e a maior atenção aos pormenores, nos quais reside muito do que verdadeiramente importa para a compreensão da história. É um daqueles livros que se adensam no virar de cada página, fazendo crescer a expectativa quanto ao seu desenlace e levando o leitor a não querer adiar o final até ser senhor da história completa. Gabriela Ruivo, de quem li (e reli) o excelente “Uma Outra Voz”, tem uma escrita deveras inteligente, não apenas pelo ritmo que imprime aos acontecimentos, mas sobretudo pela forma como dispõe as personagens e as vai movendo neste particular tabuleiro (interessante o facto de a generalidade dos capítulos ter por título as personagens e de estes se irem repetindo, como peças que vão sendo mexidas uma e outra vez). Provar que é possível um mesmo movimento poder ser feito, em simultâneo, por mais do que uma peça, é a grande proeza do livro. Uma partida feita de lances emotivos e com um cheque-mate absolutamente genial.

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