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segunda-feira, 4 de dezembro de 2023

EXPOSIÇÃO DE PINTURA: "Identidades Partilhadas"



EXPOSIÇÃO DE PINTURA: “Identidades Partilhadas”
Museu Nacional de Arte Antiga
01 Dez 2023 > 30 Mar 2024


“Identidades Partilhadas” é a primeira tentativa de reunir numa exposição a melhor pintura espanhola existente em colecções portuguesas. Para além da geografia política e dos conflitos episódicos, os reinos peninsulares foram sempre espaços interligados de trocas e mútuas influências culturais. Certamente que uma catástrofe como o Terramoto de Lisboa, em 1755, terá destruído uma boa parte das colecções da nobreza portuguesa e, desde logo, a colecção real que se encontrava no Paço da Ribeira, que sabemos muito rica, pelo menos em retratos. Daí que o coleccionismo português de pintura espanhola seja essencialmente do século XIX, incidindo, ao gosto da época, sobre mestres contemporâneos, românticos ou académicos, ou sobre a pintura medieval, de que se apresenta um núcleo significativo. Mostram-se nesta exposição importantes encomendas a pintores espanhóis como Luis de Morales, Vicente Carducho ou Zurbarán, mas também obras de portugueses que se formaram ou trabalharam em Espanha, como Vasco Pereira ou Baltazar Gomes Figueira.

Dividida em sete núcleos, a mostra começa por propor uma abordagem ao período que vai “Do Gótico ao Renascimento”, alertando que poucas obras espanholas se podem ligar a encomendas feitas na época. Na sua maioria, foram compradas por colecionadores nos séculos XIX e XX, cujo gosto se voltou, sobretudo, para a pintura medieval catalã. Luis de Morales (c. 1510-1586) e Vasco Pereira, dito o Lusitano (c. 1536-1609), as “estrelas” do segundo núcleo expositivo, configuram duas situações distintas nas relações artísticas cruzadas entre Portugal e Espanha em finais do século XVI e início do século XVII. Morales foi um pintor espanhol activo em Badajoz, muito solicitado por institutos religiosos da raia portuguesa (Elvas, Portalegre, Évora), que produziu obras de marcada vocação comercial com as quais poderia satisfazer as necessidades devocionais de uma espiritualidade mais intimista. Inversamente, Vasco Pereira, de origem portuguesa e nascido em Lisboa, estabeleceu-se cedo em Sevilha, como discípulo de um mestre então famoso, o pintor Luis de Vargas, onde conheceu algum sucesso, tendo não apenas trabalhado para encomendantes locais como para o reino português, sendo de sua autoria um retábulo para o colégio dos jesuítas de Ponta Delgada, nos Açores.

“Retratos. Modelos e representações” ocupa duas salas e alberga algumas das mais preciosas peças desta exposição. Destinando-se a preencher as galerias dos palácios reais europeus, a cumprir funções evocativas mas também a promover ou a estreitar relações dinásticas, o século XVI foi rico em retratos feitos a partir de réplicas de oficina inspiradas em modelos autorizados. A forma de representação solene da realeza com fins políticos foi depois adaptada pelas elites dos dois reinos ibéricos - veja-se o Retrato da Rainha Isabel de Bourbon como Princesa das Astúrias, em que a mulher do futuro Filipe IV de Espanha aparece trajada “à portuguesa”, tal como se apresentou nas cortes de Lisboa de 1619 para o juramento do príncipe como herdeiro do trono. Ao longo do século XVII, o naturalismo conjugou-se com esta necessidade de ostentação, criando um modelo que teve a máxima expressão em Velásquez e nos seus colaboradores, renovando completamente o retrato cortesão. “O Último Barroco” fala-nos da influência de Murillo e que perdurou na arte espanhola até ao século XVIII. De entre todos os seus seguidores, Juan Simón Gutiérrez foi um dos que soube melhor perpetuar a atmosfera intimista das obras do mestre e o carácter doce e quase profano das suas figuras religiosas.

Baltazar Gomes Figueira e a sua filha, Josefa d'Óbidos, contribuíram decisivamente para a modernização da pintura portuguesa em meados do século XVII. O núcleo “Entre Óbidos e Sevilha” começa por nos levar ao encontro de Baltazar e da oficina que estabeleceu em Óbidos a partir do final da década de 1630 - e que teve continuidade com a sua filha Josefa -, para introduzir o visitante no naturalismo sevilhano, com a novidade temática da natureza-morta e o recurso constante às gravuras flamengas, de que pai e filha tinham grande conhecimento. As novidades pictóricas surgidas em Roma em finais do século XVI tiveram em Espanha ampla repercussão e disso nos fala “O Siglo de Oro: Naturalismo e Barroco”, remetendo para a busca de um registo mais realista, do qual dão prova Bartolomé Carducho, Francisco de Zurbarán ou José de Ribera. “Academias e Romantismos” é o último núcleo desta exposição, remetendo para obras dos Séculos XVIII e XIX, numa altura em que a pintura espanhola se alterara substancialmente. A pintura de ar-livre e o trabalho de pesquisa sobre a luz e sobre a cor estão patentes nas obras de Francisco Pradilla e de Salvador Viniegra, mas o sentido mais conservador da coleccionismo português atendeu também à continuidade de propostas estéticas convencionais e académicas, aqui ilustradas pela obra “Otelo e Desdemona”, de Antonio Muñoz Degraín.

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