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quinta-feira, 6 de maio de 2021

LIVRO: "José Régio - A Obra e o Homem"



LIVRO: “José Régio – A Obra e o Homem”,
de Eugénio Lisboa
Ed. Opera Omnia (3ª edição, Dezembro de 2019)


“Com facilidade aceitávamos”, informa o seu companheiro Martins de Carvalho, “que parecia entre todos nós o mais seguro das suas posições, com a consciência quase amadurecida do que era e do que poderia ser; o mais persistente e o mais claro na justificação dos seus gestos e atitudes. Revelava-se já adulto e, por contraste, nós fazíamos figura de adolescentes tumultuários, com muito de incompleto e até de inconstante.”

Ensaio vigoroso sobre a pessoa do escritor, poeta, dramaturgo, romancista, novelista, contista, ensaísta, cronista, crítico, memorialista, para além de desenhador, pintor e grande conhecedor e colecionador de arte sacra e popular, que foi José Régio, este livro estende-se em duas dimensões fundamentais da sua biografia: a Obra e o Homem. A elas acrescenta Eugénio Lisboa o anexo “José Régio e a Crítica”, bem como uma bibliografia activa e passiva, tão exaustiva quanto possível. O objectivo será, nas palavras do próprio Lisboa, “fazer a ‘soldadura’ sobre o Homem e a Obra, sem fundamentalismos biografistas mas também sem preconceitos ferozmente antibiografistas. Sem minúcias biografistas próprias de ‘coronéis reformados’ (Henri Fluchère), mas também sem desprezar o pormenor biográfico que pode ajudar a iluminar o texto.”

Debruçando-se sobre “o Homem”, Eugénio Lisboa quis furtar-se a polémicas, as mais das vezes estéreis, mostrando-nos um José Régio com muito pouco daquilo que há de humano em cada um de nós. Este é um Régio que não saberemos se é alto ou baixo, gordo ou magro, se fuma ou se bebe, por onde se passeia, se se dá com as mulheres ou prefere a companhia dos homens, de que forma se reflectem nele os ecos de duas Guerras Mundiais, da Guerra Civil de Espanha, da ascensão e afirmação do Estado Novo, e por aí fora. Que era impopular (mas a que ponto?), profundamente independente, mas também “discreto, tímido, esquivo, secreto”, “um modelo acabado de pudor”, isso conseguimos perceber. Que ao longo da vida sofreu com problemas que seriam menos do corpo e mais do espírito, também. Mas não muito mais do que isto. Eugénio Lisboa, porém, dá com uma mão o que tira com a outra, justapondo à personalidade de José Régio a de outros vultos da literatura mundial e, desta forma, pedindo-nos que o aceitemos tal como é, sem com isso pretender justificá-lo.

Adentrando a segunda metade deste ensaio, é no capítulo sobre “a Obra” que conseguimos antever um assomo de humanidade na figura do escritor. É através dela que observa e se interroga, que se afirma face ao outro e se confessa perante si e perante Deus. Eugénio Lisboa, porém, pede-nos prudência. As palavras de Régio são tudo e nada ao mesmo tempo. Não será inocentemente que nos diz, nesse belo livro que é “Mas Deus É Grande”, que “(...) Na letra do meu canto é só de mim que falo. / Mas o meu canto diz tudo que a todos calo. / Sabe tudo que ignoro, / Condiz com tudo que me espanta... / Que o meu canto só canta!”. É também neste capítulo que se explora a dimensão de José Régio enquanto apaixonado dramaturgo e crítico implacável. Há mais, muito mais para ler e explorar. E há, indubitavelmente, essa centelha que sobre nós é lançada e que nos convida a descobrir, para lá destas páginas, aquele que um dia afirmou: “De escolas, não sou aluno”.

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