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terça-feira, 9 de fevereiro de 2021

LIVRO: "A Indiferença é Morrer Com a Solidão aos Pés da Cama"



LIVRO: “A Indiferença é Morrer com a Solidão aos Pés da Cama”,
de Afonso Valente Batista
Ed. Glaciar, Março de 2014


“Porque, velhos que já somos, sem utilidade, escarnecidos na coluna das receitas como pesos esdrúxulos no acerto das contas de todos os orçamentos gerais do Estado, somos apagados sem préstimo, só despesa, desejados extintos, nadas que se justifique manter no egoísmo de quem faz as contas como o custo que somos, porque o afeto é uma contabilidade de dar e a solidão de se ser só e velho não gera receitas.”

Fruto da melhoria das condições de vida e das políticas de saúde na maioria dos países desenvolvidos, a população mundial conhece um aumento galopante do número de pessoas idosas, a par com uma diminuição no número de nascimentos. A nossa realidade não é diferente e Portugal é hoje um dos países mais envelhecidos da União Europeia, as estatísticas a mostrarem que, por cada criança com menos de 10 anos, existem cerca de dois idosos. Acresce que os regimes de segurança social no nosso país não são capazes de assegurar uma vida digna aos pensionistas de velhice, quase 80% dos quais recebendo valores muito inferiores ao salário mínimo nacional. Sós e vivendo abaixo do limiar da pobreza, assim são os nossos velhos.

É desta realidade e das suas consequências que nos fala Afonso Valente Batista. É ele quem nos toma pela mão e nos leva ao encontro de um corpo tornado um tumor de solidão e abandono, “como se de um sobejo se tratasse, ao sequioso apetite de osgas, lagartixas e outros animais peçonhentos”. Em “A Indiferença é Morrer com a Solidão aos Pés da Cama” o mundo reduz-se às paredes e ao tecto de um quarto, a uma cama com a solidão pendurada aos pés. O abandono é figura com vida própria, a mesma vida que come a cor aos olhos, incha as veias das mãos “com os caroços do sangue de um naufragado”, guarda as memórias numa gaveta da mesinha de cabeceira e reduz a um eco longínquo o bater do coração.

A voz de Afonso Valente Batista é esta. Não tem outra. Seja quando narra a Guerra de África, em “O Muro”, ou quando reage contra a violência doméstica, em “O Fadário das Mulheres Insolentes”. Numa escrita que rejeita nostalgias, conformismos e demais edulcorantes, o autor não se limita a pôr o dedo nessa verdadeira chaga que são as políticas sociais de velhice, antes escarafuncha-a até ao osso, revelando a morte lenta dos tecidos e expondo a loca onde se acumulam pestilentas pústulas de deves e haveres. Num processo de análise impiedoso da condição de ser velho, pobre e doente, os últimos dias feitos de dor, medo e solidão, ele é a voz de acusação e denúncia duma sociedade também ela doente, à deriva, alheada dos seus melhores e de si própria.

1 comentário:

  1. Adorei o texto e sublinho, a tristeza de como vêem as pessoas de mais idade, é mesmo cruel

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