CINEMA: Shortcutz Ovar Sessão #43
Cinema Vida
120 Minutos | Maiores de 16 anos
12 Nov 2020 | qui | 21:00
Não terá sido fácil programar a derradeira sessão da quarta temporada do Shortcutz Ovar. Aos equipamentos culturais encerrados por decisão da autarquia somou-se o recolher obrigatório inerente ao estado de emergência e encontrar um espaço alternativo à Escola de Artes e Ofícios revelou-se um verdadeiro quebra-cabeças. Pequeno talismã dos cinéfilos vareiros, sala com uma programação cuidada que privilegia o cinema de autor, o rebaptizado Cinema Vida tornou-se a solução possível, acolhendo trinta e cinco indefectíveis do Shortcutz Ovar numa sessão que se viria a revelar a mais forte da temporada e no início da qual estas crónicas periódicas aqui no blogue “Erros Meus...” mereceram uma referência especial do anfitrião Tiago Alves e receberam dos presentes um saboroso aplauso.
Se, nas sessões anteriores, foi possível encontrar um elo de ligação entre os vários filmes apresentados, tal tarefa foi, desta vez, bastante mais complicada. Ainda assim, a vida e o seu sentido (ou a falta dele) podem ajudar a contar a história de um inesquecível serão que, de forma muito objectiva, veio confirmar o quanto o cinema em versão curta constitui, nos dias de hoje, um elemento importante na valorização da qualidade artística do cinema português no seu todo. Dividida em três grandes momentos, esta sessão veio lembrar-nos o quão decisivos são, na definição daquilo que somos, as pessoas que nos rodeiam, que nos acarinham e protegem ou, pelo contrário, ameaçam a nossa integridade ou põem em causa as liberdades individuais.
Verdadeira jóia da animação portuguesa, “Tio Tomás, A Contabilidade dos Dias”, de Regina Pessoa, foi o primeiro filme exibido e nele uma menina recorda as vivências com o Tio Tomás, indivíduo excêntrico e que nutre uma verdadeira obsessão pelo registo de todos os seus passos em livros de contabilidade que arquiva criteriosamente. Obra de cariz autobiográfico, “Tio Tomás, a Contabilidade dos Dias” conta com as vozes de Abi Feijó e da própria Regina Pessoa, reforçando o tom de homenagem da realizadora ao seu tio, figura incontornável no seu desenvolvimento como cineasta. Galardoado mundialmente desde a sua estreia e nomeado para a 33ª edição dos Prémios da Academia Europeia de Cinema na categoria de Melhor Curta-Metragem Europeia, o filme impressionou vivamente o público presente na sala e apresenta-se como um fortíssimo candidato à conquista do Prémio do Júri para a Melhor Obra de Animação do Shortcutz Ovar 2020.
O segundo filme trouxe com ele a chancela do galardão máximo do Ymotion – Festival de Cinema Jovem de Famalicão 2020, atribuído no passado fim de semana. “Sofia”, de Filipe Ruffato e Gonçalo Viana, consegue essa verdadeira proeza técnica de ser filmado num único plano-sequência, contando para tal com o rigor de um argumento escrito por Ruffato e com a mestria de Gonçalo Viana, que faz da cinematografia um admirável momento coreográfico, transformando a relação dos actores com a camara num delicado e gracioso bailado. Anna Leppänen é Beatriz, uma mulher que, sozinha na noite, é salva por um homem (António, protagonizado pelo próprio Filipe Ruffato), do assédio que outros dois lhe movem. O filme constitui um perfeito “três em um”, acrescentando ao rigor técnico e ao primor estético uma mensagem de denúncia, repudiando aqueles que teimam em ver na mulher não mais do que um objecto.
Para o final estavam guardadas “As Extraordinárias Desventuras da Menina de Pedra”, de Gabriel Abrantes, uma curta belíssima que nos convida a explorar “uma noite no museu” e a descobrir a vida que se esconde por detrás das obras de arte ali expostas. O Museu em causa é nem mais nem menos que o Louvre e a grande protagonista é a estátua de uma menina esculpida ao gosto romântico, “de carácter decorativo e refrescantemente banal”, que decide assumir um papel activo numa sociedade marcada pela desigualdade e pela injustiça social. Combinando, de forma magistral, a animação em 3D com imagem real, Gabriel Abrantes centra a narrativa no papel da arte nas nossas vidas, desembaraçando as obras do preconceito e da catalogação fácil e dando-as a ver como arautos de liberdade rumo a um novo mundo. Magistral!
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