CINEMA: “O Fim do Mundo”
Realização | Basil da Cunha
Argumento | Basil da Cunha, Martin Drouot, Saadi
Fotografia | Basil da Cunha
Montagem | Basil da Cunha, Kostas Makrinos, Jean Reusser, Irina Fortuna
Interpretação | Iara Cristina Cardoso, Marco Joel Fernandes, Alexandre da Costa Fonseca, Michael Pires Spencer, Luísa Martins dos Santos, Carlos Fonseca, Manuel Delgado dos Santos, Maria Adelaide Santos, Nhunha Gomes, Susana Costa, Pedro Mota da Silva
Produção | Julien Rouyet, Kaspar Schiltknecht
Suiça, Portugal | 2019 | Acção, Crime, Drama | 107 Minutos | Maiores de 16
Cinema Dolce Espaço
22 Out 2020 | qui | 18:15
Reboleira, Amadora. Às portas de Lisboa, a rotina de uma comunidade cabo-verdiana é feita de deriva, expedientes e sobressalto. Presas nas suas casas abarracadas ou percorrendo ruas pejadas de lixo, as pessoas acotovelam-se de forma precária, não sabendo nunca se amanhã terão dormida sob o mesmo tecto, se haverá comida na mesa ou se aqueles que lhes são próximos continuarão por ali. Sem saberem, sequer, se estarão vivos. Esquecidos do mundo, deserdados da fortuna, com muito pouco a que possam chamar de realmente seu, habitam um mundo provisório, em contraciclo com a sua vontade, no qual vazam as emoções de forma extremada. Neste correr do tempo, a linha que separa a vida da morte é ténue. Tão ténue como a esperança num futuro melhor sob a forma do Euromilhões ou de mais um título para o Benfica, ironicamente festejado com espumante Fita Azul.
Tire-se o chapéu a Basil da Cunha pela forma como nos leva ao encontro dos excluídos da sociedade, entes indesejáveis que se acoitam nos seus bairros miseráveis e cuja ambição se resume a uma vida mais digna, onde a inclusão social não seja um mero slogan eleitoralista. São pessoas que têm na pele escura e no linguajar crioulo a sua marca distintiva, portugueses no cartão de cidadão apenas, imigrantes no seu próprio país, a quem é continuamente negada a paz, o pão, a habitação, ao mesmo tempo que vão sendo anestesiados com novelas da treta, debates ocos, maratonas de futebol e programas da manhã acéfalos. Feito de tricas, intrigas e confrontos, o quotidiano da comunidade é uma roleta russa, a bala dourada apontada à cabeça de todos a cada volta do tambor da sorte.
Escorado numa estética hiper-realista, “O Fim do Mundo” não dá tréguas ao espectador, obrigando-o a entrar na cabeça de Spira, a viver a frustração de quem continua preso no bairro depois de uma longa passagem pela prisão, a sentir a impotência perante a lei que tudo pode, a ver a raiva a crescer face à ausência de expectativas de futuro. Agarrando-nos pelas tripas, Basil da Cunha obriga-nos a viver a vida do gueto, da gota de água que unge o recém-nascido com os sacramentos do baptismo, ao último adeus a um dos seus. Fechado o ciclo, os sobreviventes continuam a pairar no bairro como zombies, o “homem-vampiro” que dança na rua abraçado a si mesmo, enquanto ao longe, num halo de fogo, desaparece a retroescavadora que, nessa madrugada, começaria a deitar abaixo mais um punhado de casas.
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