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sábado, 21 de dezembro de 2019

LIVRO: "Quartos de Final e Outras Histórias"



LIVRO: “Quartos de Final e Outras Histórias”,
de Cláudia Andrade
Ed. Elsinore, Setembro de 2019


Chama-se “Para Vós” e é uma das boas peças de teatro a que assisti no ano que agora chega ao fim. A sua criadora e directora artística dá pelo nome de Cláudia Andrade, nela residindo o principal motivo para a aquisição deste “Quartos de Final e Outras Histórias”, mal o vi nos escaparates da FNAC, antevendo já o gozo duma escrita exemplar e de um belo par de serões à roda do livro. A escrita é, de facto, exemplar e os serões à roda do livro revelaram-se perfeitos. Esqueci-me, contudo, de que “há mais Marias na terra”, dando comigo a perceber, já depois de terminada a sua leitura, que a Claúdia Andrade que escreve este livro não é a Cláudia Andrade que eu pensava que o tinha escrito. Mas bem que podia ser, já que encontrei um paralelismo muito forte entre a peça e o livro, o pensamento de ambas as autoras a fluir de forma livre e inteligente, o enorme cuidado no desenvolvimento da acção narrativa a vir ao de cima, a vida, tal como ela é, exposta cruamente, nas fraquezas como nas forças.

Conjunto de dezoito inspirados contos, “Quartos de Final e Outras Histórias” desenvolve-se em torno de um assunto muito particular: a morte. Absurda, irracional, libertadora, misteriosa, ritualizada, redentora e sempre, mas sempre inexorável, ela surge perante o leitor como a face de uma delicada e efémera moeda, no reverso a vida, plena e vibrante, seu contraponto e pressuposto natural. É isto que toma conta do leitor, conto após conto, naquilo que constitui um convite à reflexão sobre todo um processo que, se angustiante, porque revelador da nossa finitude, é sobretudo catártico e pacificador, tendente a desmistificar todo um discurso ambivalente e carregado de fugas, condicionamentos e contradições. Ao contrário do que poderia supor-se, este acaba por ser um livro paradoxalmente leve, onde a ironia se funde com um requintadíssimo sentido de humor, proporcionando uma leitura fluida e que pede, com frequência, uma boa gargalhada.

No predestinado Manuel, na renitente Adelaide, no condenado Diógenes, no frágil Pedro ou na resoluta Agnes, há todo um catálogo de emoções e sentimentos que remetem para a imponderabilidade de estar vivo e para aquilo que cada um faz da própria vida. A forma como a alegria se trasmuta em tristeza e dor, como se domestica o medo, como se abraça uma nova vida ou como um simples gesto pode condicionar toda uma existência, são aqui expostos por Cláudia Andrade com refinamento e elegância, a construção frásica a evidenciar a enorme qualidade da sua escrita, uma imaginação delirante a apontar caminhos insuspeitos e que vemos desembocar no mais recôndito da alma. Cláudia Andrade é uma escritora que importa conhecer, podendo “Quartos de Final e Outras Histórias” ser um excelente ponto de partida. Através dele corremos pela estrada dos sentidos e da memória, aflorando a eternidade dos instantes em que fomos felizes.

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