LIVRO: “A Rebelião”,
de Afonso Valente Batista
Edições Parsifal, Junho de 2018
Mantendo uma dinâmica de escrita
notável, Afonso Valente Batista volta a presentear-nos com um novo
livro neste ano que corre. Numa ficção que tenta responder à
possibilidade de uma nova utopia, o que nos surge em “A Rebelião”
são ainda os demónios que resultam das ondas de choque da Guerra de
África, sequência de episódios sem nexo que ceifou milhares de
vidas em nome dum império que há muito se esgotara. Mas são,
sobretudo, as vidas daqueles que tiveram de voltar a acomodar o corpo
ao desígnio do regresso, de inventar uma nova vida - “ainda hoje o
pudor de dizer, a vergonha de contar, o estigma em recalcar silêncios
que nos afogam” - e que nunca deixaram de se sentir injustiçados
pelo que foram obrigados a viver e a sofrer, da Pátria não
recebendo mais do que o olvido.
“A Rebelião” regressa ao universo
tão brilhantemente desenvolvido nos anteriores “O Muro” e “O
Acontecimento”, deles recuperando pontas de estórias e uma boa
parte das suas personagens. Mas o tempo já não é mais o do
africano passamento, de campanhas venturosas e de sofrimentos
incógnitos feito, depois desse “para Angola e em força” gritado
de forma irrevogável. O tempo é outro, o aqui e agora assente na
desilusão crescente face a um tempo que passa e não traz com ele a
palavra justiça e numa raiva que, renovando-se a cada dia, acabará
por compelir o grupo de veteranos a organizar-se em torno da criação
de um movimento político e a partir para a rebelião.
Pontuado por episódios divertidos,
onde o regresso aos tempos da juventude e um certo desejo de
transgressão se anunciam em cada diálogo, “A Rebelião”
revela-se, paradoxalmente, um livro amargo, pelo que de
impossibilidade encerra. Às questões sociais, éticas e morais que
se colocam como entraves nesta demanda utópica, juntam-se
imponderáveis como a própria condição física de cada um, vergado
ao peso da idade. Embora Afonso Valente Batista, duma forma
extraordinariamente salutar, consiga brincar com as situações,
sente-se que continuam a haver nós por desatar, contas por acertar,
dilemas por resolver. Que há gritos de liberdade tolhidos na
garganta, que apertam e sufocam. Que está por fazer essa rebelião,
que nos desperte e que, de uma vez por todas, afaste os nossos olhos
daquilo que os continua a manter distraídos!
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