CINEMA: “Não Deixeis Cair em Tentação” / “La Prière”
Realização | Cédric
Kahn
Argumento | Fanny Burdino, Samuel Doux, Cédric
Kahn
Fotografia | Yves Cape
Montagem | Laure
Gardette
Interpretação | Anthony Bajon, Damien Chapelle, Alex
Brendemühl, Louise Grinberg, Hanna Schygulla, Antoine Amblard, Maïté
Maillé, Colin Bates, David Campagna
Produção | Sylvie Pialat,
Benoit Quainon
França | 2018 | Drama | 107 Minutos | M/12
Cinema
Dolce Espaço
25 Nov 2018 | dom | 16:00
Na
sequência dum enorme susto provocado por uma overdose de heroína,
Thomas concorda em receber ajuda num centro de desintoxicação. A
princípio, a dificuldade em cumprir as regras estritas da
instituição católica, localizada no ambiente austero das
montanhas, é tremenda, levando a que a frustração e a raiva tomem
conta do jovem e, com elas, o desejo de fugir de regresso à sua
cidade natal. Mas o encontro com Sybille, uma jovem arqueóloga,
fá-lo-á mudar de ideias a ponto de, com o tempo, Thomas começar a
considerar a hipótese de ingressar no Seminário e vir a ser
ordenado padre.
Não se afirmando, necessariamente, como um
filme religioso, “Não Deixeis Cair em Tentação” debruça-se,
de forma clara, sobre as questões da fé. Apesar do ascetismo formal
que caracteriza a obra de Cédric Kahn, o realizador francês mostra
que sabe organizar-se num campo de acção suficientemente vasto para
não fazer do filme um mero repositório de receitas rumo à
desintoxicação e à cura. A carga de ambiguidade colocada pelo
protagonista em cada palavra, em cada gesto, dá-nos a dimensão
desse esforço de dar sentido à vida por intermédio de um lento e
doloroso processo de criação de uma nova identidade em plena
adolescência. Thomas, o jovem viciado em drogas que transforma
miraculosamente a sua raiva incorrigível e silenciosa num mar de paz
interior com vista ao sacerdócio, é tudo menos um santo. As
múltiplas contradições no seu percurso levantam sérias dúvidas
quanto à sinceridade da sua vocação.
Mas o filme propõe
igualmente uma reflexão sobre o fenómeno social actual duma
comunidade fechada sobre si mesma, efectiva nos seus pressupostos
imediatos em virtude duma vigilância apertada e dum reforço do
encorajamento enquanto forma de terapia, mas condenada ao fracasso na
hora de devolver ao mundo exterior aqueles que acolheu e procurou
tratar. Percebe-se um certo fatalismo nesta visão do mundo, onde
mesmo os mais exemplares sobreviventes do inferno das drogas se
mostram incapazes de conquistar a necessária capacidade de se manter
à tona da água no tormentoso caudal da existência. Cédric Kahn
não é, realmente, o tipo de apóstolo eufórico que abre novas
perspectivas filosóficas através do cinema. A sua abordagem e
estilo são demasiado pragmáticos e friamente pensados para negarem
a existência de artificialismos que preencham o vazio inerente a
cada pessoa e afastar qualquer ilusão numa cura milagrosa desta
grande praga civilizacional. “Não Deixeis Cair em Tentação” é
isto e é, também, o melhor filme visto até à data em 2018.
Absolutamente imperdível!
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