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segunda-feira, 10 de setembro de 2018

LIVRO: "A Casa das Tias"



LIVRO: “A Casa das Tias”,
de Cristina Almeida Serôdio
Edição | Cecília Andrade
Teorema, Junho de 2017


O livro a um parágrafo do fim e a pergunta a surgir, desafiadora, inconfidente, desarmante: “De que mais precisa um escritor senão de assunto?” O (a) escritor(a) é Cristina Almeida Serôdio e o assunto, esse, será “A Casa das Tias”, o primeiro romance desta professora, investigadora e co-autora do programa de Literatura Portuguesa referente aos 10º e 11º anos. É a convite de M., herdeira da casa dessas mesmas tias a que alude o título do livro, que a escritora irá mergulhar nas histórias e memórias duma família, para nos oferecer um precioso mapa de afectos centrado em Francisca e Teresinha, as duas únicas raparigas duma numerosa prole de oito filhos, solteiras até ao fim dos seus dias, tias de muitos sobrinhos.

Narrando, de forma livre, as histórias das pessoas que naquela casa nasceram, cresceram, se fizeram gente e dali partiram, Cristina Almeida Serôdio cruza-as com as das que ficaram, a vida suspensa nos pequenos afazeres duma casa da aldeia, o tempo que se escoa lentamente, as cartas que se trocam a darem conta de que há mais mundo para lá de Constantim. Os reencontros nas longas férias de Verão ou na quadra natalícia, as visitas a Lisboa, ao Porto ou a Castelo Branco, as notícias que, com largos dias de atraso, chegam dum mundo em constante movimento ou as pequenas intrigas, que tanto fervilham na aldeia como num Salão de Baile de Lisboa ou num paquete que deixa Nova Iorque, são temas que a autora retrata com sensibilidade e um enorme cuidado, traçando um retrato social de um país subjugado aos ditames do salazarismo, miserável e servil, mas que ainda encontra espaço para ser feliz.

Particularmente atractiva para o leitor, pelo que de desafio encerra, é a construção narrativa de “A Casa das Tias”, pedaços de prosa avulsa que, para além de estabelecerem uma caracterização minuciosa das personagens, surgem em claro desrespeito pela ordem cronológica, como se de peças de um puzzle se tratasse e que importa juntar no sítio e na ordem certos. Neste jogo do “quem, o quê e onde”, Cristina Almeida Serôdio esmera-se em apurar a forma de contar a história, acrescentando-lhe novas personagens que são, assumidamente, inventadas. Entre o real e a ficção, a autora vai fornecendo pistas que o leitor deve guardar, pistas que parecem começar na própria capa do livro, os retratos das personagens dispostos ordeiramente mas a pedir uma sequência. E há ainda M., encomendadora dos escritos e revisora dos mesmos, e os deliciosos diálogos com a autora, engenhosa forma de desvendar o processo de criação deste livro delicioso.

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