CINEMA: “Ana, Meu Amor” / “Ana,
Mon Amour”
Realização | Cãlin Peter Netzer
Argumento |Cãlin Peter Netzer,
Cezar Paul-Badescu, Iulia Lumânare
Fotografia | Andrei Butica
Montagem |Dana Bunescu
Interpretação | Diana Cavallioti,
Mircea Postelnicu, Carmen Tanase, Vasile Muraru, Adrian Titieni,
Tania Popa, Claudiu Istodor, Ionut Caras, Ioana Flora, Iulia
Lumânare, Vlad Ivanov
Produção | Cãlin Peter Netzer
Roménia | 2017 | Drama, romance |
127 Minutos | M/16
Cinema Dolce Espaço
17 Ago 2018 | sex | 16:00
Uma pessoa adorável surge de repente.
Entabula conversa, talvez peça algo, um largo sorriso no rosto, uma
presença encantadora. Passado um instante, porém, na atmosfera até
aí tranquila, começa a respirar-se algo de estranho. Os pedidos
tornam-se ordens, cada vez mais duras. Os gestos gentis
transformam-se em esgares repulsivos. E esse primeiro encontro,
passado pouco tempo, não é mais do que um jogo perverso, no qual
uma das partes, sem perder a boa aparência, domina a outra e a
tortura. Este esquema desumanizado, descrito com um domínio
inesquecível pelo génio de Michael Haneke em “Brincadeiras
Perigosas” (“Funny Games”, 1997), está subjacente, a
instantes, na vida do casal e nas suas relações de trabalho,
familiares e sociais. Sob uma aparência de bondade, alguém entra na
vida do outro para usá-lo no seu próprio interesse. E, uma vez lá,
semeia a destruição. Claramente, o perigo mais vital ocorre quando
esta estrutura relacional está presente no quadro de um vínculo
afectivo. Nesse caso, os danos podem tornar-se existenciais, como
fica demonstrado, com a sua crueza hiper-realista, neste “Ana, Meu
Amor”.
O filme de Cãlin Peter Netzer é a radiografia descarnada de uma relação patológica estabelecida entre um suposto bom samaritano (Mircea Postelnicu) e uma mulher depressiva e dominada pelos traumas da infância e da adolescência (magnífica Diana Cavallioti). O olhar do cineasta romeno não faz qualquer concessão, tudo é mostrado, dos momentos mais íntimos aos mais selvagens, naquilo que são as sequências de uma relação em todas as suas fases. Evoluindo de forma desordenada no tempo, a sua estrutura centra-se em momentos decisivos da relação do casal, fazendo lembrar o filme de Wong Kar-Wai, “Disponível para Amar” (“In the Mood For Love”, 2000), mas funcionando nos seus antípodas. Toda a elegância das formas e a estética estilizada daquele, inverte-se em “Ana, Meu Amor”. As cenas são propositadamente austeras, despidas de beleza, redundando ocasionalmente em imagens desagradáveis, cujo uso é questionável mas que, certamente, possuem o condão de transmitir ao espectador o profundo mal-estar de um relacionamento amoroso constituído por dois egoísmos que se consomem e devoram.
Não surpreende que o filme tenha conquistado um Urso de Prata para o melhor argumento da última Berlinale. E não apenas pelo brilhantismo com que a desordem temporária dos fragmentos narrados é apresentada, obedecendo a uma ordem emocional bem orquestrada. Talvez, acima de tudo, porque Netzer dá conta dessa “epidemia contemporânea” que afecta toda uma geração incapaz de se relacionar”: uma geração caracterizada pela crescente dificuldade em estabelecer vínculos afectivos sólidos, satisfatórios e duradouros. Este é, sem dúvida, um problema nos dias que correm (basta olharmos à nossa volta e vermos como se desmoronaram casamentos de amigos e conhecidos, considerados até há bem pouco tempo mais do que sólidos). Só é pena que não se vislumbre, ao longo das imagens, um pouco de luz no meio da dor, um pouco de ar no meio da angústia, nem um pouco disso, tão necessário e tão verdadeiro, que se chama esperança.
O filme de Cãlin Peter Netzer é a radiografia descarnada de uma relação patológica estabelecida entre um suposto bom samaritano (Mircea Postelnicu) e uma mulher depressiva e dominada pelos traumas da infância e da adolescência (magnífica Diana Cavallioti). O olhar do cineasta romeno não faz qualquer concessão, tudo é mostrado, dos momentos mais íntimos aos mais selvagens, naquilo que são as sequências de uma relação em todas as suas fases. Evoluindo de forma desordenada no tempo, a sua estrutura centra-se em momentos decisivos da relação do casal, fazendo lembrar o filme de Wong Kar-Wai, “Disponível para Amar” (“In the Mood For Love”, 2000), mas funcionando nos seus antípodas. Toda a elegância das formas e a estética estilizada daquele, inverte-se em “Ana, Meu Amor”. As cenas são propositadamente austeras, despidas de beleza, redundando ocasionalmente em imagens desagradáveis, cujo uso é questionável mas que, certamente, possuem o condão de transmitir ao espectador o profundo mal-estar de um relacionamento amoroso constituído por dois egoísmos que se consomem e devoram.
Não surpreende que o filme tenha conquistado um Urso de Prata para o melhor argumento da última Berlinale. E não apenas pelo brilhantismo com que a desordem temporária dos fragmentos narrados é apresentada, obedecendo a uma ordem emocional bem orquestrada. Talvez, acima de tudo, porque Netzer dá conta dessa “epidemia contemporânea” que afecta toda uma geração incapaz de se relacionar”: uma geração caracterizada pela crescente dificuldade em estabelecer vínculos afectivos sólidos, satisfatórios e duradouros. Este é, sem dúvida, um problema nos dias que correm (basta olharmos à nossa volta e vermos como se desmoronaram casamentos de amigos e conhecidos, considerados até há bem pouco tempo mais do que sólidos). Só é pena que não se vislumbre, ao longo das imagens, um pouco de luz no meio da dor, um pouco de ar no meio da angústia, nem um pouco disso, tão necessário e tão verdadeiro, que se chama esperança.
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