LIVRO: “Não se Pode Morar nos
Olhos de Um Gato”,
de Ana Margarida de Carvalho
Edição | Maria do Rosário Pedreira
Ed. Teorema, Abril de 2016
“Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos”. Quando tendemos para ver na frase que abre a Declaração Universal dos Direitos do Homem uma verdade irrefutável, o pensamento estilhaça-se no sangue e nas bombas do Sudão do Sul ou do Delta do Níger, de Ghouta oriental ou da Faixa de Gaza. Vogando na vertigem de correntes desencontradas, entre certezas que teimam em afirmar-se e as muitas dúvidas que constantemente nos assaltam, buscamos refúgio num livro, aconchegamo-nos “nos olhos de um gato” e logo tudo se aclara. Na fome e na sede, no calor e no frio, na raiva e na dor, na vida e na morte, são nulas as diferenças. De cor e de género, de origem, de estrato económico e social. Na sua condição mais elementar, despojado do que é seu, posto a nu perante o próximo, fica o homem reduzido ao seu nome de baptismo e ao corpo com que veio ao mundo, livre e igual aos outros homens. É esta a verdade do romance de Ana Margarida de Carvalho. Uma verdade irrefutável!
Ed. Teorema, Abril de 2016
“Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos”. Quando tendemos para ver na frase que abre a Declaração Universal dos Direitos do Homem uma verdade irrefutável, o pensamento estilhaça-se no sangue e nas bombas do Sudão do Sul ou do Delta do Níger, de Ghouta oriental ou da Faixa de Gaza. Vogando na vertigem de correntes desencontradas, entre certezas que teimam em afirmar-se e as muitas dúvidas que constantemente nos assaltam, buscamos refúgio num livro, aconchegamo-nos “nos olhos de um gato” e logo tudo se aclara. Na fome e na sede, no calor e no frio, na raiva e na dor, na vida e na morte, são nulas as diferenças. De cor e de género, de origem, de estrato económico e social. Na sua condição mais elementar, despojado do que é seu, posto a nu perante o próximo, fica o homem reduzido ao seu nome de baptismo e ao corpo com que veio ao mundo, livre e igual aos outros homens. É esta a verdade do romance de Ana Margarida de Carvalho. Uma verdade irrefutável!
Com “Não se Pode Morar nos Olhos de
Um Gato”, oferece-nos a autora uma obra poderosíssima quanto à
temática que aborda, assente numa linguagem extremamente cuidada e,
sobretudo, num desenho narrativo engenhoso e imaginativo, que ora nos
agarra pelas tripas, ora nos prende pelo coração. Arrojados a uma
praia, estreita língua de areia cercada por altas e intransponíveis
escarpas, um grupo de náufragos tenta, desesperadamente, sobreviver
face à escassez de meios de que dispõe. Ritmando o seu quotidiano
pelo vai e vem das marés – que lhes permite percorrer o areal duas
vezes ao dia -, o grupo ora se ufana em garantir o parco sustento
que retira do mar, ora se recolhe a um recôncavo elevado na rocha,
gruta miniatural, abrigo precário das investidas das ondas. Em
número de oito, os náufragos formam um microcosmos social à mercê
das circunstâncias, obrigados, em nome da sobrevivência, a pôr de
parte aquilo que os separa.
A leitura de “Não se Pode Morar nos
Olhos de Um Gato” proporciona um prazer enorme da primeira à
ultima página. Ana Margarida de Carvalho é inexcedível de
generosidade na forma como detalha cada capítulo, pondo à prova os
nossos fantasmas e preconceitos, as nossas convicções, os nossos
medos. O “monólogo da Santa”, logo a abrir o livro, é disso o
mais acabado exemplo. Chegamos a hesitar no momento de virar a
página, de tal maneira é forte e impressiva a ladaínha de Nossa
Senhora de Todas as Angústias, corpo de pau e cabeleira indígena, o
caos sendo uma das ordens de Deus. Com tanto por dizer, tantas sensações por descrever, tantas imagens por contar, acrescentaria apenas que, tal como em “Que Importa a Fúria do Mar”, o anterior romance da escritora, Ana Margarida de Carvalho reincide no desenvolvimento de uma espécie de “private joke”, introduzindo, aqui e além, pequenas frases subtraídas às letras dos nossos cantautores. É assim que nos deixamos embalar na leitura pela trilogia da “Lusitana Diáspora”, de Fausto Bordalo Dias, do “Canto Dos Torna-Viagem”, de José Mário Branco, de “Os Conquistadores”, de Sérgio Godinho ou dum muito a propósito “O Navio Negreiro”, de Caetano Veloso, entre outros. Até mesmo com a voz de António Zambujo (ou terá sido com a letra de Maria do Rosário Pedreira?) é possível cruzarmo-nos por lá, num “pedaço de mau caminho”.
P. S. - No título, a frase recorrente do“Poema do Desamor”, de Alexandre O'Neill, é como um convite a uma pequena brincadeira: “Desmama-te desanca-te desbunda-te / mas não vais encontrar outro livro assim // Queixa-te coxa-te desnalga-te desalma-te / mas não vais encontrar outro livro assim // Arranha arrepanha apanha espanca / mas não vais encontrar outro livro assim”.
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