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domingo, 8 de abril de 2018

VISITA GUIADA: "Fora da Cidade, mas a contemplá-la"



VISITA GUIADA: “Fora da Cidade, mas a contemplá-la”
Orientada por | Professor Joel Cleto
Organizada por | Confraria das Almas do Corpo Santo de Massarelos
08 Abr 2018 | dom | 10:00


A Confraria das Almas do Corpo Santo de Massarelos promoveu mais uma Visita Guiada orientada pelo Professor Joel Cleto, intitulada “Fora da Cidade, mas a contemplá-la”. Pretexto para cruzar o rio e fazer um percurso pelas margens de Gaia, na (re)descoberta da lenda do Rei Ramiro e do Castelo de Gaia. Foram duas horas e meia de caminhada, conhecimento e convivência extraordinários para as perto de duas centenas de participantes, com muito de efabulado, maravilhoso, inventado, mas também com alguma coisa de verdade.

A primeira parte da visita passou ao lado da História, decorrendo nos trilhos da lenda e tendo como ponto de partida aquela figura exótica, de trombeta na mão, que encima as armas de Vila Nova de Gaia: Ramiro, precisamente. Tudo se passa no século X, numa altura em que o Douro era uma fronteira natural entre domínios cristãos, a norte, e mouros, a sul. Alboazer, senhor das terras que correspondem hoje a Gaia, e Ramiro, o Rei das Astúrias, mantinham uma trégua há já algum tempo quando o mouro, informado da ausência de Ramiro em terras da Gália, decide romper a trégua, arrasar o castelo de Ramiro e raptar-lhe a esposa, Gaia. Disposto a vingar a ofensa, Ramiro vai usar dum estratagema engenhoso para conquistar o castelo do mouro, até então inexpugnável, e resgatar Gaia. Mas nada disto é assim tão linear quanto parece e as coisas complicam-se, com uma lindíssima moura, um “Síndrome de Estocolmo” e uma cabeça decepada à mistura. São precisamente os deliciosos meandros da lenda - e das suas extensões, na origem dos topónimos Miragaia e Vila Praia de Âncora -, narrados de forma entusiástica nos locais onde (supostamente) a acção decorreu, que fizeram desta uma Visita Guiada inesquecível, de fruição e deleite.

Cruzando a lenda com a História, Joel Cleto ora evoca o cavaleiro D. Álvaro de Cernache, porta-estandarte da “Ala dos Namorados” em plena Batalha de Aljubarrota, ora recua a 820, quando em “campus stellae” é descoberto o sepulcro de Tiago, um dos discípulos de Cristo, para justificar um Ramiro disfarçado de peregrino. Ora lembra a criação dum “off-shore” para fugir aos impostos do Bispo do Porto, Vila Nova do Rei (mais tarde Vila Nova de Gaia), ora situa o morro do Castelo de Gaia como um lugar terrível em pleno cerco do Porto, aí se encontrando o principal canhão das tropas absolutistas a bombardear constantemente a cidade Invicta... e a ser bombardeado. Tempo ainda para se falar da Boa Passagem, local ideal para cruzar o Douro numa altura em que o edifício da Alfândega não era sequer projecto, das terríveis cheias em vésperas de Natal de 1909 e do castelo de Gaia, do qual não se encontraram vestígios nas muitas campanhas arqueológicas levadas a cabo até aos nossos dias.

Por vezes, a realidade consegue ser mais surpreendente do que a ficção e é precisamente isso que Joel Cleto faz questão de evidenciar, já na parte final desta visita. Futuro Ramiro II, rei das Astúrias, Ramiro é um jovem príncipe e um valoroso guerreiro quando se afirma como o primeiro líder cristão a estabelecer-se a sul do Douro, mais precisamente em Viseu, corre o ano de 926. Tal como em Gaia, a lenda de Ramiro está associada à história da cidade de Viseu e a tal figura exótica, com a trombeta, está igualmente presente no brazão da cidade beirã. Aquilo que é extraordinário é que Viseu tem, no seu território, a chamada Cava de Viriato, o maior monumento do género na Península, um imenso octógono de 32 hectares sobre o qual já se disse muita coisa – com lusitanos, romanos e muçulmanos à mistura. É aqui que surge Ramiro - e agora já não estamos no domínio da lenda.

Ramiro chega a Viseu, como se disse, aí se estabelecendo com a sua corte. Todavia, ele não sabe (nem pode saber) que, dentro de apenas cinco anos, o seu irmão abdicará da coroa e será ele o novo Rei das Astúrias. Para Ramiro, é um dado adquirido que a sua permanência em Viseu será longa e, portanto, há que investir na sua segurança, criando uma fortificação tão inexpugnável quanto possível, que o possa manter a salvo das investidas dos seus inimigos. Para um grande senhor, um príncipe de enorme prestígio, alguém que a si mesmo se designa por “Rex Portucalensis” (e note-se que, só mais de dois séculos depois, em 25 de Julho de 1139, nascia o Reino de Portugal e a sua 1ª Dinastia, com El-Rei Dom Afonso Henriques de Borgonha), é plausível a encomenda de tão grande empresa a quem detinha conhecimentos e meios adequados para a levar por diante: os árabes. É uma mera hipótese nos caminhos da História, mas uma hipótese, convenhamos, bastante tentadora!

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