TEATRO: “Ivone, Princesa de
Borgonha”,
de Witold Gombrowicz
Tradução | Luisa Costa Gomes
Encenação | António Pires
Cenografia | João Mendes Ribeiro
Interpretação | Maria João Luís,
Marcello Urgeghe, João Barbosa, Mário Sousa, Alexandra Sargento,
Hugo Mestre Amaro, Cláudia Alfaiate, Nuno Casanovas, Francisco
Vistas e Carolina Campanela
Produção | Teatro do Bairro
Teatro Nacional S. João, Porto | 15
Abr 2018 | dom | 16:00
Podemos resumir a história
tragico-cómica de Ivone em poucas palavras. Herdeiro do trono, o
Príncipe Filipe conhece uma jovem que considera repulsiva, uma
aventesma. Embora seja incapaz de suportar a presença dessa mulher
desde o primeiro minuto, tem consciência que o ódio que nutre pela
pobre Ivone é, mais do que injusto, inaceitável. Profundamente
dividido, dispõe-se a contrariar a sua própria natureza e pede a jovem em casamento. Chegada à corte, Ivone torna-se imediatamente num
elemento disruptivo. A sua presença muda, o terror que se estampa no
seu rosto, as suas desgraças naturais, fazem com que todos vejam
nela o reflexo das suas próprias falhas e deficiências,
monstruosidades e pecados. É preciso pôr um fim ao pesadelo, uma
pedra sobre o assunto, acabar com Ivone. Mas fazê-lo com elevação,
fazê-lo “por cima”!
Comédia? Drama? Farsa? Conto de fadas?
É difícil classificar “Ivone, Princesa de Borgonha” de forma
assim tão linear. Imaginativa e provocadora, a peça revela-se duma
riqueza e actualidade extraordinárias, apontando o dedo acusador aos
poderosos deste mundo, ao mesmo tempo que vai desmontando questões
tão pertinentes como inteligência e poder, estatuto e competência,
os espaços de manobra, as bases do poder, auto-confiança e domínio
ou, ainda, a questão do poder como um vício. A peça é também uma
reflexão na ampla esfera das liberdades, onde tudo se permite a quem
detém o poder e tudo é negado aos mais pobres e desfavorecidos,
obrigados ao mutismo e ao vazio de ideias, habituados a que os
poderosos pensem pela cabeça de todos e falem pelas suas próprias
bocas.
Para uma representação correcta de
“Ivone, Princesa de Borgonha”, Witold Gombrowicz chamava a
atenção para o facto de os heróis da peça serem pessoas normais,
mas que se encontram numa situação anormal. “O espanto, a
insegurança, a atrapalhação e o embaraço que experimentam face à
situação devem ser sublinhados de acordo com o texto”, dizia. É
precisamente isto que a encenação de António Pires evidencia, com
o colectivo do Teatro do Bairro a demonstrar uma notável
desenvoltura interpretativa, com destaque para as representações de
Maria João Luís e Marcello Urgeghe. Para aqueles que, até ao próximo domingo, tenham oportunidade de se deslocar ao TNSJ, prometida está uma excelente sessão de teatro onde, no limite, o espectador será confrontado com a questão da convencionalidade versus
liberdade. Se a primeira, sendo necessária como forma de tornar a
pessoa reconhecida socialmente, a condiciona naquilo que é da sua
natureza em surpreender-se, experimentar, imaginar, a segunda, por
mais atraente que seja enquanto horizonte de possibilidades
infindáveis, é também o caos. Pode-se alcançá-lo por um momento,
mas não se pode viver nele eternamente.
[Foto: TNSJ /
facebook.com/TeatroNacionalSaoJoao]
Sem comentários:
Enviar um comentário