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quinta-feira, 19 de abril de 2018

TEATRO: "Ivone, Princesa de Borgonha"



TEATRO: “Ivone, Princesa de Borgonha”,
de Witold Gombrowicz
Tradução | Luisa Costa Gomes
Encenação | António Pires
Cenografia | João Mendes Ribeiro
Interpretação | Maria João Luís, Marcello Urgeghe, João Barbosa, Mário Sousa, Alexandra Sargento, Hugo Mestre Amaro, Cláudia Alfaiate, Nuno Casanovas, Francisco Vistas e Carolina Campanela
Produção | Teatro do Bairro
Teatro Nacional S. João, Porto | 15 Abr 2018 | dom | 16:00


Podemos resumir a história tragico-cómica de Ivone em poucas palavras. Herdeiro do trono, o Príncipe Filipe conhece uma jovem que considera repulsiva, uma aventesma. Embora seja incapaz de suportar a presença dessa mulher desde o primeiro minuto, tem consciência que o ódio que nutre pela pobre Ivone é, mais do que injusto, inaceitável. Profundamente dividido, dispõe-se a contrariar a sua própria natureza e pede a jovem em casamento. Chegada à corte, Ivone torna-se imediatamente num elemento disruptivo. A sua presença muda, o terror que se estampa no seu rosto, as suas desgraças naturais, fazem com que todos vejam nela o reflexo das suas próprias falhas e deficiências, monstruosidades e pecados. É preciso pôr um fim ao pesadelo, uma pedra sobre o assunto, acabar com Ivone. Mas fazê-lo com elevação, fazê-lo “por cima”!

Comédia? Drama? Farsa? Conto de fadas? É difícil classificar “Ivone, Princesa de Borgonha” de forma assim tão linear. Imaginativa e provocadora, a peça revela-se duma riqueza e actualidade extraordinárias, apontando o dedo acusador aos poderosos deste mundo, ao mesmo tempo que vai desmontando questões tão pertinentes como inteligência e poder, estatuto e competência, os espaços de manobra, as bases do poder, auto-confiança e domínio ou, ainda, a questão do poder como um vício. A peça é também uma reflexão na ampla esfera das liberdades, onde tudo se permite a quem detém o poder e tudo é negado aos mais pobres e desfavorecidos, obrigados ao mutismo e ao vazio de ideias, habituados a que os poderosos pensem pela cabeça de todos e falem pelas suas próprias bocas.

Para uma representação correcta de “Ivone, Princesa de Borgonha”, Witold Gombrowicz chamava a atenção para o facto de os heróis da peça serem pessoas normais, mas que se encontram numa situação anormal. “O espanto, a insegurança, a atrapalhação e o embaraço que experimentam face à situação devem ser sublinhados de acordo com o texto”, dizia. É precisamente isto que a encenação de António Pires evidencia, com o colectivo do Teatro do Bairro a demonstrar uma notável desenvoltura interpretativa, com destaque para as representações de Maria João Luís e Marcello Urgeghe. Para aqueles que, até ao próximo domingo, tenham oportunidade de se deslocar ao TNSJ, prometida está uma excelente sessão de teatro onde, no limite, o espectador será confrontado com a questão da convencionalidade versus liberdade. Se a primeira, sendo necessária como forma de tornar a pessoa reconhecida socialmente, a condiciona naquilo que é da sua natureza em surpreender-se, experimentar, imaginar, a segunda, por mais atraente que seja enquanto horizonte de possibilidades infindáveis, é também o caos. Pode-se alcançá-lo por um momento, mas não se pode viver nele eternamente.

[Foto: TNSJ / facebook.com/TeatroNacionalSaoJoao]

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