LIVRO: “A Luz Vem das Pedras”,
de António Canteiro
Edição de Guilherme Valente
Ed. Gradiva, Junho de 2017
... E, de repente, vejo-me desejoso de chegar a casa ainda mais depressa para voltar a
virar cada uma das suas folhas, a sorver-lhe cada palavra, de tão intenso, de tão rico
de imagens e de cores e de gostos e de cheiros, de inquietações e
de tristeza, de tão meu que é. Quero beber as suas expressões, os seus gestos, a sua poesia de novo e outra vez ainda. Vem isto a propósito
de António Canteiro e do seu mais recente romance, “A Luz Vem das
Pedras”, visão encantatória de vida amargurada, de pobreza e
solidão, duma mulher que tem na escrita “numa folha de papel de
trinta e cinco linhas”, nos livros que lhe servem de companhia e
nos cães os únicos lenitivos.
É a suprema felicidade termos
alguém que partilhe algo de tão sublime assim, onde tudo o que nos
é dado a ler se adequa aos olhos da imaginação, ganha forma e cor,
ganha vida. Vida que convoca a nossa própria vida, o nosso percurso
desde que nos conhecemos, neste continuum do sermos, existirmos,
escrevermos, dormirmos e amarmos. No seu jeito delicado de contar as
coisas, António Canteiro consegue esse milagre de nos tornar parte
integrante do livro, de tal forma a descrição dos sentimentos e
estados de alma nos apazigua ou nos fere.
“A Luz Vem das Pedras” é,
seguramente, um dos livros que, até hoje, mais me impressionou pela
qualidade da escrita. Aquilo é orgânico, sente-se, vive-se. É barro e chão e terra e vento e rocha viva. Aquilo
é o toque duns braços de mãe enleados à volta do meu pescoço
para entalar o pano, que há-de servir de guardanapo, babete, para
não sujar o pijama dos restos de sopa. Aquilo é a cor doce dos
bolos na boca, é Deus a escrever direito por linhas tortas, são
adjectivos estranhamente familiares (vagarosolenta, chuvernoso,
esperandante, estreluzente), são lágrimas duma dor feita de
desassossego, ódio e raiva, é tanta coisa que já nem tenho a
certeza do que é. Duma coisa, porém, estou certo: A história não
acaba aqui. “A Luz vem das Pedras” é um livro que me vai
acompanhar por muito tempo, pelos anos, pelo sempre!
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