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segunda-feira, 28 de maio de 2018

LIVRO: "Os Amantes Tristes"



LIVRO: “Os Amantes Tristes” / “Los Amantes Tristes”,
de Eugenia Rico
Tradução | Marcelo Teixeira
Ed. Edições Parsifal, Maio de 2018


Quando liguei para a livraria e me disseram que iriam receber nesse dia três exemplares de “Os Amantes Tristes”, pedi para me reservarem um. Sensivelmente àquela hora, Eugenia Rico apresentava publicamente o livro na Fundação José Saramago e estaria em Ovar três dias mais tarde, para uma muito aguardada sessão das “Conversas Úteis”. Antes de a conhecer, queria saber algo sobre ela e a melhor forma de o descobrir seria lendo-a. Foi o que fiz, mergulhando no romance mal cheguei a casa. Duas horas mais tarde, tinha acabado de ler o livro. O facto de serem pouco mais de cem páginas permite explicar algo, mas é na sua escrita ágil, na enorme envolvência criada em torno de três personagens tão singulares e na carga poética que se derrama de cada linha, que reside a verdadeira causa de tamanha sofreguidão. De tal forma que voltei a lê-lo no dia seguinte, completando a leitura com a tomada de algumas notas que me servem, agora, de base a uma breve análise crítica deste livro tão belo.

“Os Amantes Tristes” é uma história sobre a amizade e o amor, uma história de emoções à flor da pele, na qual a poesia se solta de cada página, directa ao coração do leitor. “Os gregos acreditavam que a amizade é mais sublime do que o amor, porque apenas existia entre os homens, enquanto o amor também pode acontecer com as mulheres, esses seres inferiores destinados a parir”, pode ler-se a páginas tantas. Em que medida é isto verdade, onde reside a verdade de cada leitor, iremos descobrindo ao longo do livro. Mas esta é – acabaremos por percebê-lo - uma das frases que Eugenia Rico elege como suporte do romance, convidando o leitor a ler para além do que está escrito. Pode ser um livro triste – tal como o próprio título permite intuir –, de tons baços, escuros e frios, onde quase sempre é Inverno (e, mesmo quando o não é, chove), mas sempre acabaremos por aquecer a alma num abraço ou num olhar, por sentirmos um aconchego num simples aperto de mão ou numa frase breve.

Vale a pena referir também que este é um livro que entrega ao leitor a medida do tempo, no sentido em que a distinção entre a manhã e a tarde, o dia e a noite, um mês e o mês seguinte, nunca é rígida. Na forma como escreve, Eugenia Rico viola o tempo propositada e reiteradamente. Podemos ver que, entre o Inverno e o princípio de Março, vai “quase um ano”, como se o tempo de cada um fosse diferente (e não o é, realmente?). Se falo nesta questão do tempo é porque me parece importante vincar a ideia que a escrita de “Os Amantes Tristes” é muito cinematográfica, tanto dum ponto de vista visual como formalmente, os espaços entre as cenas (os tempos!) deixados em branco, pedindo ao espectador / leitor que seja ele a fazer o “trabalho de casa”. E há depois essa imagem que abre o livro, um telefone que toca, um pedido de auxílio do outro lado da linha, uma vida que se apresta a mudar a partir daquele instante. No final regressaremos ao ponto de partida, o pedido de auxílio sempre latente, nesta circularidade se percebendo a carga cinematográfica que o livro contém.

Finalmente, gostaria de vincar a ideia que este é também um livro de denúncia, um manifesto social que faz o contraponto entre ricos e pobres, os que detêm o poder e os que são alvo de todas as arbitrariedades. “Talvez o pior não aconteça e este planeta continue a girar em condições razoáveis. Os pobres morrerão de fome e os ricos clonar-se-ão a si próprios. Desta forma, espera-nos um futuro ideal, sem pobreza ou fealdade. Um mundo em que restem apenas os bonitos e os ricos. Mas então alguém terá de servir-lhes café e terão de reinventar os pobres. Os robôs nunca poderão substituí-los, porque não dá o mesmo gozo lixar uma máquina que lixar um semelhante. A máquina não sofre. O outro, que é como tu, que poderias ser tu, é o que dá a medida do teu poder e da tua importância.” Extracto duma carta dum homem internado compulsivamente num hospital psiquiátrico, este breve texto é o exemplo acabado do quanto Eugenia Rico coloca nas mãos do leitor em termos de decisão. Quem serão os loucos e por onde andarão, parece perguntar.

domingo, 27 de maio de 2018

TERTÚLIA: "Conversas Úteis", com Eugenia Rico



TERTÚLIA: “Conversas Úteis”,
com Eugénia Rico
Museu de Ovar
26 Mai 2018 | sab | 21:30


Eugenia Rico foi a convidada de Maio das “Conversas Úteis”, conjunto de tertúlias literárias promovidas pelo Museu de Ovar e particularmente vocacionadas para o campo das letras. Como habitualmente, a moderação esteve a cargo de Carlos Nuno Granja e, uma vez mais, o saldo foi deveras positivo, de tal forma a escritora abriu ao público a sua cumplicidade e encanto, o seu requintado sentido de humor e a sua visão clara e acutilante sobre o mundo actual, e em particular no que à literatura diz respeito.

Nascida em Oviedo, Eugenia descobriu que queria ser escritora com cinco anos de idade, tendo publicado o seu primeiro conto aos onze. Os estudos em Direito e Relações Internacionais levaram-na a França e à Bélgica, mas os livros acabaram por falar mais alto e, em 2000, publica o seu primeiro romance, “Los Amantes Tristes”, o primeiro duma trilogia que prosseguiria com “La Muerte Blanca” (2002) e “La Edad Secreta” (2004). Tem, até hoje, nove livros publicados, quatro dos quais traduzidos para português, sendo “Los Amantes Tristes” / “Os Amantes Tristes”, a sua publicação mais recente no nosso País. Apresentado na Fundação José Saramago no passado dia 23 de Maio de 2018, “Os Amantes Tristes” estiveram na origem da vinda da escritora a Portugal e, num programa recheado de grandes acontecimentos, a passar pela nossa cidade para uma agradável troca de impressões e partilha de algumas curiosidades e experiências com o público ovarense. A acompanhá-la esteve Marcelo Teixeira, dirigindo também ele algumas palavras ao público e enriquecendo a tertúlia com a sua visão de tradutor e editor desta obra.

“Há muitas maneiras de matar um homem, mas uma das mais tremendas é impedi-lo de dormir. O homem não morre por não poder descansar, mas sim por não poder sonhar. Sempre que uma Nação conquista a sua independência, é dos artistas que se socorre para que sonhem os seus jovens ideais. Precisamos de artistas que sonhem o sonho dos povos.” Com estas palavras, Eugenia Rico começou por colocar-se a si e ao conjunto da sua obra no campo dos sonhos e explicou por que é que pensa poder oferecer-se a si própria o “luxo” de escrever: “Durante muito tempo não me foi fácil entender o sentido de escrever quando há tanta gente que não sabe sequer ler. Com o tempo acabei por perceber que tudo o que escrevemos é para sempre, existirá para lá de nós. Escrever é parte dum caminho de evolução para a Humanidade.”

Quanto à sua escrita, dum ponto de vista formal, Eugenia Rico gosta de se comparar a um argumentista (talvez ao facto não sejam alheios os seus estudos em Arte Dramática e Guionismo para Cinema, que cursou sob a direcção de Fernando Trueba). “O escritor faz o guião mas é ao leitor que cabe o papel de realizador. É ele quem determina que os tempos sejam mais lentos ou mais breves, quem faz o casting. Quando escrevo, deixo espaços no livro para que o leitor os possa completar. O verdadeiro detective é o leitor porque só o leitor sabe o que acontece verdadeiramente”, revela a escritora. Particularmente em relação a “Os Amantes Tristes”, Eugenia Rico confessou que, antes de o publicar, tinha páginas e páginas escritas guardadas na gaveta, associando a decisão de avançar com a sua publicação a um episódio marcante na sua vida, uma infeção num pé que resultou num delicado regresso a Madrid e numa intervenção complexa. Num mercado enorme e particularmente competitivo como o espanhol, foram muitas as portas que, no início, se fecharam à escritora. Mas a sua persistência acabou por dar frutos e ela é hoje um dos nomes importantes das letras no país vizinho, com obra editada na Alemanha, Itália, Grécia, Bulgária, Holanda, Rússia, Estados Unidos, México e Brasil.


P. S. - Para a parte final da tertúlia estava guardada uma enorme surpresa, a da descoberta em Ovar do primeiro leitor português de “Os Amantes Tristes”. Importará aqui referir que o leitor sou eu e que a minha recensão crítica ao romance de Eugenia Rico será publicada já de seguida. Aí se desvendará um pouco daquilo que constituiu uma particular conversa com a escritora, um momento privilegiado de partilha e conhecimento e que guardarei com especial carinho.