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domingo, 14 de dezembro de 2025

CINEMA: "Jovens Mães" | Jean-Pierre Dardenne e Luc Dardenne



CINEMA: “Jovens Mães” / “Jeunes Mères”
Realização | Jean-Pierre Dardenne, Luc Dardenne
Argumento | Jean-Pierre Dardenne, Luc Dardenne
Fotografia | Benoît Dervaux
Montagem | Marie-Hélène Dozo
Interpretação | Babette Verbeek, Elsa Houben, Janaina Halloy, Lucie Laruelle, Samia Hilmi, Jef Jacobs, Günter Duret, Christelle Cornil, India Hair, Joely Mbundu, Claire Bodson, Eva Zingaro, Adrienne D’Anna, Mathilde Legrand, Hélène Cattelain, Selma Alaoui, Dominique Swinnen, Dominique Desmet, Sandrine Desmet, Juliette Duret
Produção | Jean-Pierre Dardenne, Luc Dardenne, Denis Freyd, Delphine Tomson
Bélgica, França | 2025 | Drama | 105 Minutos | Maiores de 12 Anos
Vida Ovar - Castello Lopes
11 Dez 2025 | qui | 19:20


Gesto que reforça a vocação dos irmãos Dardenne como parte dos cineastas que representam a consciência social do cinema europeu, “Jovens Mães” desloca o olhar do macro-conflito político para o íntimo e frágil território da adolescência materna. No centro do filme está uma casa de acolhimento na periferia de Liège, um espaço onde Naïma, Jessica, Julie, Perla e Ariane, enfrentam, cada uma à sua maneira, o peso da da precariedade e da orfandade emocional. Austera e rigorosa, a abordagem dos irmãos Dardenne chega aqui marcada por uma inesperada brandura: observam-se rotinas, notam-se pequenas quedas, abraçam-se ínfimos progressos com uma paciência quase documental, recusando simplificações dramáticas ou soluções redentoras. Regista-se o instante em que o desejo idealizado de “ter um bebé” se desfaz perante a materialidade do cuidado: O peso da fralda, do choro incessante, da obrigação repetitiva de vestir bodies ou proteger as frágeis cabecinhas. Esse contraste entre fantasia e realidade alimenta um retrato social sem ênfase miserabilista, mas atento às circunstâncias que empurraram estas jovens para a maternidade precoce, das relações instáveis à ausência de apoio familiar ou à pobreza entranhada.

Ao contrário do que se poderia esperar, os realizadores não procuram denunciar falhas estruturais específicas, antes preferem interrogar a vulnerabilidade comum a estas histórias e a forma como as instituições podem ser, ainda que por momentos, raros refúgios de cuidado e dignidade. A força de “Jovens Mães” reside justamente nesse equilíbrio entre a dureza do mundo exterior e a bolha frágil do abrigo. Aqui, as jovens movem-se entre gestos grosseiros e súbitos lampejos de ternura, como se a própria identidade acabasse, também ela, de nascer. O filme retrata-as sem idealização, captando episódios de exaustão, esquecimentos inquietantes, explosões de raiva, recaídas em velhos vícios, fugas impulsivas, reveladores de uma aprendizagem que nenhuma delas teve tempo de antecipar. E, contudo, emerge delas uma resistência obstinada: Perla que procura o pai do bebé pelas ruas, crendo ainda possível uma família; Julie, cuja ansiedade lateja em cada gesto; ou Ariane, esmagada pelo dilema entre manter a filha num ambiente instável ou entregá-la a quem possa oferecer segurança. A solidariedade faz-se sentir nas cumplicidades subtis, nos pequenos conselhos, nos olhares que sustentam o dia seguinte, suficientes para adiar o colapso e manter viva a esperança.

No seu conjunto, o filme ergue-se como meditação sobre a herança emocional e o risco permanente de repetição: Como amar um filho quando a própria experiência de ser amada é um vazio ou uma ferida? As marcas do abandono tornam pungente a busca de um passado que permita abrir futuros. A despedida de uma filha que sorri para outros braços mostra-se de uma crueldade lancinante. Os Dardenne filmam esses dilemas com a precisão ética que lhes é característica: nenhum gesto é julgado, tudo é deixado à consideração do espectador. A casa de acolhimento, por sua vez, revela-se menos santuário que zona de transição. Ela é, sobretudo, um local onde enfermeiros, psicólogos e educadores regulam com delicadeza o difícil equilíbrio entre proteger e não infantilizar, entre amparar e preparar um inevitável adeus. “Jovens Mães” não reinventa o olhar sobre a maternidade adolescente, mas devolve-lhe uma espessura humana rara, sustentada por actrizes não profissionais cuja intensidade arrasta o espectador para o centro emocional dessas vidas em estado de urgência. E, num gesto incomum na obra dos Dardenne, o filme termina com uma nota ténue, mas insistente, de esperança. Não na promessa de que tudo ficará bem, mas no reconhecimento de que, mesmo à margem de tudo, ainda há espaço para um recomeço.

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