CINEMA: “Sex”
Realização | Dag Johan Haugerud
Argumento | Dag Johan Haugerud
Fotografia | Cecilie Semec
Montagem | Jens Christian Fodstad
Interpretação | Thorbjørn Harr, Jan Gunnar Røise, Siri Forberg, Birgitte Larsen, Theo Dahl, Nasrin Khusrawi, Anne Marie Ottersen, Vetle Bergan, Iver Innset, Siri Jøntvedt, Sereba Marvin, Arturo Scotti, Darin Hagi, Hadrian Jenum Skaaland, August Jenum Skaaland
Produção | Hege Hauff Hvattum, Yngve Sæther
Noruega | 2024 | Drama, Romance | 118 Minutos | Maiores de 14 anos
Vida Ovar Castello Lopes
23 Nov 2025 | dom | 16:10
“Sex”, novo capítulo da filmografia de Dag Johan Haugerud e primeira parte da trilogia “Sex, Dreams, Love”, chega às salas de cinema como um objecto singular: um filme sobre intimidade que abdica de qualquer representação física do acto sexual. A recusa não é apenas estética, mas ética, uma vez que Haugerud tem declarado repetidamente considerar a encenação do sexo “ofensiva e de mau gosto”, alinhando-se com uma corrente de cineastas que vê no erotismo filmado uma ideia, no mínimo, redundante. Como em Rohmer, uma referência assumida do cineasta, a palavra torna-se o eixo dramático, mas aqui o diálogo avança numa cadência obstinada, quase circular, onde a repetição parece querer rivalizar com o brilho moral e a ironia elegante do mestre francês. Essa estratégia revela tanto a ambição como os limites de Haugerud: discutindo a intimidade com rigor conceptual, o filme arrisca tornar-se prisioneiro do seu próprio método. A história central - um casal em crise após o marido confessar um encontro sexual casual com outro homem - impõe-se como laboratório desta aposta: para ele, o acto é desprovido de emoção e, portanto, não constitui traição; para ela, é a implosão definitiva da confiança conjugal. Entre confrontos discretos e longas pausas, o cineasta examina a fractura entre sexo e amor, tema que organiza uma boa parte das duas horas de duração.
Paralelamente, Haugerud introduz a trajectória de um colega do protagonista, um limpa-chaminés cujo sonho recorrente é ser observado por David Bowie “como se fosse uma mulher” e que começa a acreditar que a sua própria voz ganha tonalidades femininas. Também aqui domina a estrutura circular, reforçando a sensação de que o filme trabalha com ideias pertinentes mas cujo desenvolvimento se mantém contido, quase tímido. Ainda assim, “Sex” distingue-se pela forma como filma a interioridade com uma subtileza rara. A aparente banalidade dos homens que falam em telhados, escadas e copas, transforma-se num exercício de “mise en scène” rigorosa, que exige do espectador esforço e disponibilidade para o não-dito. Oslo, filmada à distância, torna-se cúmplice silenciosa dessa inquietação: uma cidade bela, fria, quase inacessível. O plano da esposa filmada apenas de costas sintetiza essa ética do pudor — um gesto de resistência num tempo obcecado pela transparência. A longa conversa conjugal, que pode ser irritante para aqueles que buscam no ritmo a essência de qualquer filme, é precisamente onde o realizador parece mais honesto, lembrando que a vida adulta raramente oferece cortes rápidos ou estados emocionais arrumados. O filme prefere abraçar a dúvida como condição universal, recusando-se a oferecer conclusões limpas ou explicações confortáveis.
Apesar das fragilidades estruturais e de uma duração que parece esticar um material dramaticamente pouco complexo, “Sex” evita o fracasso pela força do seu humor “seco”, pela precisão formal dos planos longos e pela solidez das interpretações. Se o filme deixa a impressão de ser “pela metade”, é porque o desafio que se impõe é gigantesco: transformar conversa em cinema, risco em dramaturgia, ambiguidade em gesto político. Haugerud filma estes homens como Rohmer filmava os seus moralistas ou como Kieślowski filmava as suas almas perplexas: com compaixão crítica, nunca benevolente. A cidade, o trabalho, os espaços vazios surgem como rodapés existenciais, lembrando que estas inquietações individuais pertencem a uma comunidade inteira. Nada se resolve, nada se fecha, nada se transforma em lição, fazendo com que o espectador saia da sala com mais perguntas do que aquelas com que entrou. Num panorama saturado de certezas artificiais, esta recusa em simplificar soa quase a acto de rebeldia. “Sex” inaugura a trilogia anunciada com uma maturidade rara: não pela solenidade dos temas, mas pela inteligência com que confia na complexidade humana. Exigente, quase desesperante, é também um filme profundamente honesto. E é talvez por isso que merece ser defendido com entusiasmo: porque ainda acredita que o cinema pode, simplesmente com palavras, iluminar aquilo que nos torna frágeis.
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