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terça-feira, 21 de outubro de 2025

CONCERTOS & CONVERSAS: Ovar Expande '25 (IV)



CONCERTOS & CONVERSAS: Ovar Expande ’25 (IV)
Com Agostinho Rodrigues, Eurico Silva, Mário Lisboa e Joaquim Margarido
Escola de Artes e Ofícios
15 Out 2025 | qua | 21:30


Depois das emoções em torno dos oito concertos que fizeram a sexta edição do Ovar Expande, esta última mensagem tem como foco uma das várias conversas que atravessaram o evento. Mas antes, é tempo de olhar para trás e fazer um breve balanço de cinco dias extraordinários, com a figura do “cantautor” em pano de fundo. Tal como nos anos anteriores, a organização primou pelo ecletismo e qualidade das propostas, mantendo a preocupação em elevar o padrão de proximidade com o público, o que resultou em três noites de concertos com salas cheias e uma forte adesão às conversas e formações que ocuparam uma parte importante do programa. Daí que o mais caloroso aplauso seja devido a Gil Godinho, figura destacada no trabalho de preparação e concretização do evento, apoiado na sólida, empenhada, conhecedora e imensamente disponível equipa Ovar / Cultura, chefiada por José Licínio Pimenta. Ano após ano, a eles se deve o conhecimento de uma variedade gigante de projectos relevantes no panorama da nova música portuguesa, geralmente inacessíveis ao público em geral.

O envolvimento da comunidade, com a criação do coro que acompanhou a cantora Bia Maria, foi um momento de enorme relevância nesta edição do Ovar Expande, reunindo dez vozes a quem foi dada a oportunidade de ser parte integrante de um projecto enriquecedor a muitos títulos. Conhecimento, dádiva e partilha foram vectores essenciais de um processo formativo que culminou com a presença do Coro em palco, acompanhando com brio a preciosa música de Bia Maria e mostrando que “qualquer um pode cantar”. Outros momentos fundamentais desta edição do certame foram as formações e masterclasses. “Palavra cantada: Compor é cantar”, com Luca Argel, e “Palavras para outras vozes”, com Carlos Tê, ofereceram aos participantes a possibilidade de mergulhar no universo da escrita e da composição musical, conhecer os bastidores dos processos criativos e explorar as palavras, melodias e narrativas que transformam histórias pessoais em canções universais. Houve ainda lugar a um showcase de Luca Argel, no espaço exterior da Escola de Artes e Ofícios, no qual o cantor encetou uma “conversa de fila” com o público, cantando numa voz límpida e harmoniosa e encantando com as histórias da vida real transformadas em belíssimas canções.

Num evento recheado de grandes momentos, destaque para a conversa que juntou os músicos Manel Cruz e Mazela e esse enorme comunicador que é Fernando Alvim, numa emissão do programa Prova Oral transmitido em directo na Antena 3. Enfim, a conversa que justifica este texto reuniu o luthier Agostinho Rodrigues, o instrumentista Eurico Silva e o fotógrafo Mário Lisboa. Intitulado “A fusão das artes, dos ofícios e a música”, o momento assentou num cordofone “multidisciplinar” designado bandopipo, um exemplo perfeito de como a tradição e a experimentação podem dialogar entre si de forma criativa e significativa. Com sala cheia e em ambiente informal, a conversa foi precedida da inauguração da exposição de fotografia “Bandopipo: Da Aduela ao Brinde”, da autoria de Mário Lisboa, viagem fotográfica ao interior de uma tanoaria transformada em palco num concerto da Orquestra de Bandolins de Esmoriz. No centro da fusão entre as artes e os ofícios está o Bandopipo — meio bandolim, meio pipo —, cordofone conceptualizado por Eurico Silva e construído por Agostinho Rodrigues. O percurso expositivo inclui ainda videoarte de Carla Varanda, entrevistas aos protagonistas e a presença física do instrumento.

Com o Bandopipo como elemento orientador, a conversa juntou música e vinho, elementos indissociáveis num percurso milenar, entrelaçados em celebrações religiosas, festas populares e rituais sociais. E porque esta relação se exprime de forma ímpar como um mecanismo de coesão e identidade comunitária, nada melhor do que um brinde com vinho servido directamente do próprio instrumento para dar início à conversa. Assumindo-se como um “experimentalista”, mais do que “um luthier, um violeiro ou o que me queiram chamar”, Agostinho Rodrigues afirmou a sua emoção em dar corpo e vida a um objecto carregado de simbolismo, algo que “foi construído para ser tocado, que não é um brinquedo”. Falando dos desafios à sua construção, “Tico” referiu as “questões de escala do objecto, a sua ergonomia”, acrescentando que o Bandopipo “tem o braço ligeiramente mais comprido que o dos bandolins convencionais, aproximando-o da bandola”. Mas também a parte acústica levantou questões de ordem vária, o problema a ser ultrapassado “com a criação de uma caixa de ressonância exterior, com uma membrana que, ao vibrar, permite que as cordas se façam ouvir.

O paralelismo entre a construção de pipos e de instrumentos musicais, aliado ao facto da Orquestra de Bandolins de Esmoriz ter vindo a desenvolver, desde 2013, uma série de concertos no interior de uma tanoaria da cidade, está na origem da concepção do Bandopipo. “De um momento para o outro, um espaço de trabalho transformou-se num espaço de um concerto”, lembra Eurico Silva, para quem esses momentos foram um “lançar da semente”, o impulso para a criação de um instrumento que homenageia “a fusão de duas artes, de dois ícones de Esmoriz”. Entre o popular e o erudito, a polivalência do instrumento permite a criação de sonoridades diversas em função dos diferentes ambientes, do cuidar das cepas ao copo que vai à boca. Um conceito novo que, para o instrumentista e médico de profissão, “permitirá chegar a mais públicos, curiosos de ver, sentir e provar a música estagiada num recipiente tradicionalmente ligado ao acondicionamento e conservação do vinho.

Já Mário Lisboa começou por referir o privilégio que é poder fotografar numa tanoaria e viver um ambiente muito particular, feito de objectos, sons e aromas invulgares. Para o fotógrafo, a exposição traça um percurso sensorial que documenta o nascimento de um instrumento, mas é também um embate entre o mundo da música e do vinho, entre o terreno e o celestial: “Senti aqui, por instantes, como se tivesse saído de mim próprio, como se a fotografia me transcendesse e tomasse, ela própria, conta do trabalho.” Falando das imagens mais marcantes, Mário Lisboa refere uma fotografia de grupo – “ainda hoje não sei como é que consegui pôr na imagem aquelas pessoas todas e todas felizes” – e uma outra da tanoaria, com uma janela em fundo, “como se fossem os vitrais de uma catedral”. A terminar, refira-se que a exposição de fotografia “Bandopipo: Da Aduela ao Brinde” irá permanecer patente ao público até ao final do ano e que o ciclo experimental de criação de novos instrumentos não se fecha com o Bandopipo. Com efeito, Eurico Silva anunciou estar na calha um instrumento à base de azulejo, ainda sem nome definido e que poderá ser ouvido na 24.ª edição do CONCORDAS, no dia 22 de Novembro, no Centro de Artes de Ovar.

[Foto: Manuel Vitoriano | https://www.facebook.com/ovarcultura]

1 comentário:

  1. Obrigado Joaquim Margarido, relato fiel que ao ler nos transporta para o momento. Abraço

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