Depois de um arranque recheado de emoções, o Festival Literário de Ovar enfrentou com renovada ilusão um novo dia, tendo para oferecer um programa em versão curta, mas nem por isso menos aliciante. Entre portas abertas à leitura e azulejos vestidos de poesia, por esta ocasião a cidade reforça o seu abraço às letras. As palavras soltam-se dos livros e revolteiam no ar, dispostas a verter-se em conversas íntimas e em concertos em que a música se curva perante a poesia. Como velhos cúmplices de um segredo partilhado, escritores cruzam de novo olhares e ideias com leitores. Em palcos de pensamento e emoção, a cada novo dia, os livros falam mais alto, os corpos dizem textos, os sons desenham imagens e o FLO cumpre-se no seu desígnio de celebrar a palavra, orgulhoso da escrita de mais um capítulo de uma história com final feliz.
A Escola de Artes e Ofícios foi o epicentro de um programa que atraiu um público leitor entusiasta, disposto a reforçar os laços que, através dos livros, busca estabelecer com o escritor. E quase apetece dizer que o milagre aconteceu de novo, com a bonita Sala Expande a transformar-se, no breve espaço de um serão, num mundo de partilha, imaginação e ideia cúmplice. Lília Tavares, Vítor Pinto Basto e Maria Toscano animaram a terceira mesa do FLO, dispondo-se, sob a moderação de Ana Maria Ferreira, a dissecar uma frase de Fernando Namora: “A literatura é um processo de libertação e, por conseguinte, aspira à liberdade.” Numa conversa emotiva, interventiva e viva, abanão vigoroso às consciências dos mais distraídos, falou-se da poesia como “o território da pura liberdade” (Lília Tavares), de democracia como elemento-chave de uma trilogia onde se inclui a literatura e a liberdade (Maria Toscano) e da função social da literatura (Vítor Pinto Basto).
“O Corredor Interior”, romance de Daniel Maia Pinto-Rodrigues, editado pela Exclamação e apresentado por Nuno Gomes, tinha aberto o serão, cabendo a Ana Deus e Luca Argel fechar a noite com um concerto intitulado “Canções para beber com Pessoa”. Nele, os artistas revisitaram as “Canções de beber" (ou Rubaiyat), do poeta-astrónomo Omar Khayyam e que, desde a Pérsia do Século XI, inspiraram Fernando Pessoa a traduzir de forma muito livre (do inglês, baseado em Edward Fitzgeral) cerca de duas centenas de quadras. Foi sobre esses poemas que o concerto incidiu, aos quais a dupla acrescentou um conjunto de temas extraídos de “Ruído Vário – Canções com Pessoa”, álbum de estúdio de 2017, uma encomenda da Casa Fernando Pessoa. Ao transformar e atualizar o génio de Fernando Pessoa – “passando por diversas das suas facetas, da solenidade trágica ao escárnio humorístico” –, Ana Deus e Luca Argel ofereceram a possibilidade de escutar a palavra de uma outra forma – igualmente celebrativa, jubilosa e livre. E que siga o FLO!
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