CINEMA: “Sirāt”
Realização | Oliver Laxe
Argumento | Santiago Fillol, Oliver Laxe
Fotografia | Mauro Herce
Montagem | Cristóbal Fernández
Interpretação | Sergi López, Bruno Núñez Arjona, Stefania Gadda, Joshua Liam Herderson, Richard 'Bigui' Bellamy, Tonin Janvier, Jade Oukid, Ahmed Abbou, Abdellilah Madrari, Mohamed Madrari
Produção | Agustín Almodóvar, Pedro Almodóvar, Domingo Corral, Xavi Font, Oliver Laxe, Oriol Maymó, Mani Mortazavi, César Pardiñas, Andrea Queralt
França, Espanha | 2025 | Drama, Thriller | 115 Minutos | Maiores de 16 Anos
Vida Ovar - Castello Lopes
01 Ago 2025 | sex | 19:30
A cada nova edição do mais importante Festival de Cinema do mundo, há-de haver sempre um filme que sacode Cannes e o vira do avesso. Este ano, esse filme foi “Sirāt”, de Oliver Laxe. Com uma forte batida e graves intensos e profundos, o filme acompanha um pai e um filho no deserto marroquino, em busca de Mar, desaparecida há cinco meses. É muito pouco aquilo que sabemos de Luis, o pai, e de Esteban, o filho. Surgidos do nada, empenhados numa busca que dura há já algum tempo, parece terem largado tudo para se focarem num único objectivo: o de encontrarem a sua filha e irmã. Em certa medida, são um pouco como todos aqueles nómadas que irão encontrar numa rave em pleno deserto, gente que deixou tudo para trás e procura uma experiência comunitária significativa num local o mais longe possível da civilização. No seu conjunto assemelham-se a uma tribo ou a um culto apocalíptico, alienados, retirados do mundo, para se entregarem aos seus rituais arcaicos, com muita droga à mistura, perseguindo o êxtase e a sensação de se conectarem com o outro, com a natureza e com os mistérios do ser.
Não é por acaso que a enorme parede de altifalantes que se ergue no deserto faz lembrar um altar pagão. O deus que os ravers adoram é a própria música, simultaneamente desencarnada e arrepiante, capaz de pôr a comunidade a mexer e em êxtase, até que apenas as batidas e a embriaguez por elas causada tenha importância. Por breves instantes, o espectador terá a possibilidade de vislumbrar alguém que funciona como uma espécie de DJ. Trata-se de David Letellier, creditado no filme como Kangding Ray, a quem é devida a impressionante banda sonora do filme, assente numa música totalmente desconectada das pessoas, uma divindade abstracta, omnipresente e intangível. Estranhos à comunidade, Luís e Esteban acabarão por ser aceites nesta espécie de grupo de apoio e ajuda mútua, ciente de que a sobrevivência no deserto só é possível numa base de cumplicidade e solidariedade. E assim, a caminho do sul, partilha-se água, gasolina e chocolate, mas também sofrimento e desespero, enquanto o grupo é abalado por um conjunto de acontecimentos terríveis.
Por mais implacáveis que sejam os golpes do destino, as notícias que chegam do “mundo lá fora” são igualmente angustiantes, já que o planeta enfrenta um novo conflito à escala mundial. A guerra parece ter eclodido na Europa e o caos e o desespero reinam por toda parte. E assim, a jornada para sul em direcção à próxima rave é também uma fuga, uma tentativa de escapar à crueldade de um mundo fadado ao fracasso. No final, a busca desesperada de Luis e o escapismo dos seus companheiros de jornada chegam a um impasse letal. Como um jogador cínico, Laxe coloca as peças num tabuleiro na posição de um desesperado e inevitável xeque-mate. As batidas diminuem, a música silencia, os movimentos congelam na luz ofuscante do deserto. “Tão fina como um fio de cabelo e mais afiada do que uma faca ou uma espada”, não fica claro se a linha que percorrem é o estreito caminho-de-ferro que poderá levar a um porto seguro e à salvação ou, como descrito na tradição oral islâmica, a ponte (As-Sirāt) que os mortos devem atravessar para passarem do inferno ao paraíso.
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