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domingo, 13 de abril de 2025

CONCERTO: "Abundância" | Maria João



CONCERTO: “Abundância” | Maria João
Com | Maria João (voz), João Farinha (teclados), André Nascimento (sintetizadores), Texito Langa (bateria), Mariana Brissos (voz), Inês Almeida (voz), Mariana Silveira Ramos (voz)
Ovar em Jazz 2025
Centro de Artes de Ovar
12 Abr 2025 | sab | 21:30


O Ovar em Jazz 2025 fechou as contas sob o signo da abundância. Abundância de momentos musicais únicos e irrepetíveis, de sonoridades novas e fascinantes, de encontros ricos em conhecimento e partilha. Abundância de emoções, sorrisos e abraços num público que cresce ano após ano e se mostra grato pelo valor de uma programação com tudo para agradar a todos. Abundância na qualidade e competência de uma organização dedicada e que, nos quatro dias do evento, dá o seu melhor para que a festa aconteça dentro e fora dos palcos. Abundância, enfim, porque assim se chama o último trabalho de Maria João, estrela maior da nossa música, e cuja apresentação teve honras de encerrar o Festival, em estreia mundial e com gravação pela televisão pública. Com uma proposta destas, não é de estranhar que o Centro de Artes de Ovar voltasse a esgotar a sua lotação, em mais uma noite memorável, no convite à viagem por paragens meridionais, os sons e tons de Moçambique a oferecerem-se na voz e no gesto por Maria João, nas suas mais variadas dimensões: fortes, quentes, densos, intensos, impressivos!

Antes mesmo de iniciar a apresentação do seu novíssimo trabalho, ao lado de João Farinha e André Nascimento, Maria João interpretou o lindíssimo “Parrots and Lions”, exaltante abraço à natureza e aos valores da tolerância, do respeito e da amizade. Na sua forma única de (en)cantar, Maria João tem neste tema o exemplo acabado da sua extraordinária técnica vocal, à qual acrescenta uma natural expressividade, capazes de transformar o diálogo improvável entre um leão e um papagaio numa obra de arte doce e carinhosa. Depois deste momento imersivo no universo da cantora, tudo o que viesse a seguir era lucro. Já com o baterista Texito Langa e um coro composto por Mariana Brissos, Inês Almeida e Mariana Silveira Ramos em palco, “Abundância” fez-se de temas como “Esperança” e “Maputo Jive”, “O Amor é Verdadeiro” e “Beatriz” (incursão simbólica no universo de Edu Lobo e Chico Buarque), “Dário” e “Papalaty”, cânticos de amor aos frutos da terra e ao labor das gentes, ao valor dos ensinamentos que se transmitem de pais para filhos, ao sentimento de pertença e à beleza que reside nas coisas mais simples, a um coração que pulsa entre dois continentes, dois países, Moçambique e Portugal ligados no corpo e na alma.

O mais belo momento da noite surgiu de forma inesperada na voz de Texito Langa, com as sonoridades etéreas de “As tuas Tranças” em pano de fundo. “O amor, uma das palavras mais usadas e pouco compreendidas. Principalmente nestes tempos, em que objectos são amados e pessoas são usadas, quando deviam ser os objectos usados e as pessoas amadas”. O manto de espiritualidade que se vinha estendendo sobre músicos e público desde o início do concerto torna-se denso e macio, aquece e conforta. Rendido ao valor e significado do momento, o público está por tudo. Escuta com devoção cada tema e aplaude intensamente, ri com as provocações de Maria João e embarca em enérgicos exercícios de percussão, acompanhando os ritmos propostos por Texito e agradecendo com um milhão de palmas e sorrisos. “Fiona”, “Ao Sol” e “Dia” são as propostas finais daquilo que constituiu, no seu todo, um abraço à cultura e à tradição de Moçambique, em poemas de José Craveirinha, Dullmea, José Mucavele ou Stewart Sukuma. É tarde e um novo dia irá nascer, trazendo consigo vida nova, renovada esperança. “Near the village, the quiet village, the lion sleeps tonight”.

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