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sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025

CINEMA: "A Complete Unknown"



CINEMA: “A Complete Unknown”
Realização | James Mangold
Argumento | James Mangold, Jay Cocks
Fotografia | Phedon Papamichael
Montagem | Andrew Buckland, Scott Morris
Interpretação | Timothée Chalamet, Joe Tippett, Edward Norton, Eriko Hatsune, Peter Gray Lewis, Peter Gerety, Lenny Grossman, David Wenzel, Scoot McNairy, Riley Hashimoto, Eloise Peyrot, Maya Feldman, Monica Barbaro, Dan Fogler, Reza Salazar, Elle Fanning
Produção | Bob Bookman, Timothée Chalamet, Alan Gasmer, Peter Jaysen, Jeff Rosen
Estados Unidos | 2024 | Biografia, Drama, Música | 141 Minutos | Maiores de 12 Anos
Vida Ovar – Castello Lopes
11 Fev 2025 | ter | 18:25


Em 1961, o jovem Bob Dylan virava costas ao Minnesota natal e partia rumo a Nova Iorque. Levava consigo a esperança de poder visitar o seu ídolo, Woody Guthrie, internado em estado grave com Doença de Huntington. Nesse périplo, acaba por tropeçar noutra lenda da música folk, Pete Seeger, que o “adopta”, incentivando-o a lançar a sua própria carreira e a gravar o seu primeiro álbum. Este período ascensional irá mostrar um Dylan instável e irreverente, totalmente desprendido de uma trajectória que possa conduzi-lo à fama, fascinado pela música de Joan Baez, Johnny Cash, Lead Belly ou Hank Williams, alienando em grande medida aqueles que o amam, depois de os ter usado à medida dos seus interesses. O filme não irá muito longe no tempo, detendo-se no momento em que Dylan “electrifica” a sua música e faz uma aproximação ao rock com o álbum “Highway 61 Revisited”. Mas aquele período de loucura e vertigem, entre 1961 e 1965, feito de temas icónicos como “Blowin’ in the Wind” e “The Times They Are a Changin”, os movimentos pelos direitos civis, a oposição à guerra do Vietname ou o apocalipse nuclear em pano de fundo, oferece-se tão intensa e livremente que a vontade dos espectadores, pelo menos daqueles com mais idade é, à semelhança do cantor, ter outra vez 20 anos.

Com um riso desconcertante e a voz de uma aspereza inconfundível, Bob Dylan começou por ser “um completo desconhecido”, para vir a tornar-se numa das maiores referências da música de todos os tempos. Em 2004 viria a ser eleito pela revista Rolling Stone o segundo melhor artista de música de todos os tempos, ficando atrás somente dos Beatles. Para além disso, a mesma publicação escolheu uma das suas principais canções, “Like a Rolling Stone”, como a melhor de todos os tempos. Ora, cabe aqui chamar a atenção para Timothée Chalamet, que interpreta Dylan e que o faz de forma irrepreensível. Uma boa parte da nossa atenção concentra-se, inevitavelmente, nas qualidades vocais do actor e o mínimo que se pode dizer é que não estamos perante uma imitação barata, antes escutamos alguém com qualidade para, se não fosse um excelente actor, ser um excelente músico (o que nem é, de todo, incompatível). A isto devemos juntar a mestria de Chalamet em esgalhar uma guitarra, tocar piano ou harmónica, para se perceber ser ele o garante de credibilidade que o filme necessita - mesmo sabendo que Bob Dylan há só um - e quase apostar a mão direita em como o Óscar de Melhor Actor não lhe irá escapar.

Tal como Dylan, ao dirigir-se à sua banda no Newport Folk Festival de 1965 e pedindo para tocar a música bem alto, assim é a realização de James Mangold, as imagens como sons que tocam os nossos sentidos e os fazem vibrar. A segurança com que ataca o filme, a riqueza e verdade dos cenários, o ritmo que imprime aos primeiros vinte minutos e que tão bem sabe dosear nas restantes duas horas e a forma como dispõe as personagens e as move para que tudo bata certo, são os ingredientes perfeitos de um exercício de cinema biográfico que, no seu convencionalismo, muito tem para oferecer. Não se pense que há mistérios não resolvidos em torno de Dylan e que serão aqui revelados, até porque o próprio cantor, na sua verdade, faz questão de se mostrar inatingível. As únicas concessões ao nosso voyeurismo têm a ver com o mito em construção e com um certo realismo minimalista que envolve uma cena musical americana dominada pelo conceito “um homem, uma guitarra”, tão caro à folk como ao country, mas com o qual Dylan entra em rota de colisão. Ao acústico puro e duro, Dylan responderá com a insolência das guitarras eléctricas. Opções de um visionário ou, muito simplesmente, o trilhar dos caminhos de liberdade próprios da juventude? Em todo o caso, um filme estimulante e electrizante, tal como a via tomada pelo seu protagonista.

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