EXPOSIÇÃO: “Inverted on Us”,
de Catarina Dias
Curadoria | Filipa Correia de Sousa
MAAT – Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia
18 Set 2024 > 17 Mar 2025
Tácita, violenta, morosa explosão. Um silêncio ensurdecedor ocupa o espaço. Estilhaços suspensos num lugar que não conhece a cadência regular do tempo. Fragmentos de luz cintilam, longínquos e ténues, como num imenso céu nocturno. A obnubilação dá então lugar à vigília. Uma experiência de clareza na estranha e misteriosa dimensão do infinito caos que compõe um universo absoluto, sempre mutável, vivo. Não é assim que se forma toda a imagem mediante a atenção do nosso olhar? Perante o vínculo latente entre o visível e o invisível, o que é manifesto e o que ainda está por alcançar, o nosso olhar capta e procura decifrar os segredos que compõem as imagens. Procuramos ecos de uma linguagem reconhecível que encurte a distância entre o referente e o pensado, entre aquilo que nos é dado e aquilo que a obra de arte nos propõe, extravasando os limites da imaginação. Tocamos, então, a densa escuridão desta noite anunciada.
Devagar, abrem-se os véus que pendem sobre o palco da realidade turva, crua, insidiosa e incompleta por condição. Este palco é iluminado pela claridade de um fogo de onde assomam labaredas fulgentes, matéria viva em permanente acontecimento, guiando o olhar vigilante diante do desconhecido. Línguas de fogo num infinito azul, bruxuleantes, serpenteiam em ascensão, numa dança ancestral. Nas imagens que perscrutamos neste espaço foram inscritos versos que traduzem os nossos mais íntimos anseios: ecos tácitos de visões, vontades, desígnios e desejos que se querem ilimitados, soltos, livres. Tal como a chama acesa que não possui sombra no mundo real, também a energia fulgurante que compõe estas obras não se permite existir mediante sombras ou ilusões. É, pois, através destes lampejos de luz que constituem determinadas obras de arte que se pode, porventura, revelar o modo como a experiência do real se completa verdadeiramente.
Tomando como ponto de partida uma maturada recomposição de conjuntos de imagens que constituem um universo imagético disruptivo e entrópico que determina a mais real condição de sensibilidade do mundo que nos envolve, a exposição “Inverted on Us”, de Catarina Dias, propõe uma abordagem à experiência de uma nova construção do visível, desafiando o que é imediatamente perceptível e habitualmente reconhecível ao nosso olhar. Mediante a exploração da dimensão daquilo que compõe a operação do pensamento e a tradução das diferentes formas de linguagem que subjazem à criação da imagem, Catarina Dias dá continuidade a um trabalho que tem vindo a questionar e, dessa forma, celebrar o enigma da visibilidade: o mistério das imagens e das palavras, das suas transparências e dissemelhanças, analogias e metamorfoses, dos reflexos límpidos e ecos tácitos, espelhos e fantasmas que lhes dão existência.
[Texto de Filipa Correia de Sousa, extraído do Guia da Exposição, em https://maat.pt/sites/default/files/2024-10/Catarina-Dias_guia-exposicao.pdf]
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