CONCERTO: Coro Gulbenkian
Direcção musical | Inês Tavares Lopes
Casa da Criatividade
03 Jan 2025 | sex | 21:30
No livro “The Rest Is Noise”, o crítico musical do The New Yorker, Alex Ross, lembra que “sempre que o sonho americano sofre um revés catastrófico, passa na rádio o Adagio de Barber”. A frase evidencia o enorme impacto cultural do Adágio para Cordas, peça escrita por Samuel Barber em 1936, considerada por muitos como “a Pietá da música” e por muitos outros como “a música mais triste alguma vez escrita”. Assombrosa na sua beleza lírica, pungente no tom lamentoso e profundo que dela se desprende, a obra começou por ser o segundo movimento do Quarteto de Cordas, Op. 11, a partir do qual o compositor fez arranjos para orquestra de cordas em 1936 e para coro trinta anos mais tarde. Assombrosa, sublime, lembramo-nos dela como tema de fundo dos filmes “Platoon” ou “O Homem Elefante”, enquanto que os mais antigos a recordarão nos funerais de Franklin Roosevelt e John F. Kennedy, Albert Einstein, Grace Kelly e do próprio Samuel Barber. Mais recentemente, pudemos escutar a peça no memorial às vítimas dos ataques às torres gémeas ou ao Charlie Hebdo, ou ainda no Concerto Europeu Digital na Berliner Philharmonie, a 1 de maio de 2020, em plena primeira vaga da pandemia de coronavírus.
Se o Adágio, na sua versão sinfónica, é uma das peças que tantos de nós têm no ouvido por ser parte integrante do repertório de todas as grandes orquestras mundiais, já o Agnus Dei, a versão coral, não é tão frequentemente escutada. Isto deve-se, em grande medida, à enorme exigência vocal na criação dos desejados efeitos de tensão e ao clima emocional da obra, pedindo segurança nas suas linhas sustentadas e melodias lentas, algo que só os grandes coros são capazes de alcançar na plenitude. Em boa hora o Coro Gulbenkian o fez, dando uma grande alegria aos melómanos neste início de mais um ano, mas igualmente a todos aqueles que se dispuseram a abraçar o luto elegíaco e a paixão, mas também a ressurreição e a glória, contemplados num programa de grande espiritualidade e simbolismo. Em S. João da Madeira, sob a direcção de Inês Tavares Lopes, o coro soube fazer do tempo do concerto um momento de reflexão nas vidas dos presentes, transformando cada frase numa mensagem de paz e fraternidade, ao encontro daqueles que, ao nosso lado, buscam palavras de conforto, um gesto de ternura, uma ajuda solidária.
Foi já próximo do final que o Agnus Dei se mostrou em beleza e harmonia, mas o concerto teve muito mais para oferecer. Começou com Francis Poulenc, compositor e pianista francês cuja música se revê tanto no género clássico como no moderno e de quem se escutou “Salve Regina”, o coro a oito vozes na boca do palco e “Ave verem corpus”, um gracioso trio de vozes femininas numa das laterais da sala. Seguiu-se a “Messe pour double chœur”, de Frank Martin, a par de Arthur Honegger um dos compositores suíços que alcançaram maior prestígio no século passado. Nela se afirmam reminiscências do barroco e do romântico, mas também a herança gregoriana na sua riqueza tonal, polifónica e rítmica, vertida em graça e beleza ao longo das cinco partes tradicionais do Ordinário da Missa em latim - Kyrie, Gloria, Credo, Sanctus - Benedictus e Agnus Dei. Seguiu-se Barber e o sublime “Agnus Dei”, ficando para o final “Magnificat in Five Vignettes”, do jovem compositor e músico Miguel Jesus, uma obra densa e leve ao mesmo tempo, a derradeira “vinheta” a fechar o concerto em alegria e exaltação. Inês Tavares Lopes soube conduzir na perfeição as trinta e uma vozes do seu coro, brindando o público com um Concerto de Ano Novo verdadeiramente inspirador. Bravo!
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