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quarta-feira, 25 de dezembro de 2024

CONCERTO: “Beethoven – 200 Anos da 9.ª Sinfonia”



CONCERTO: “Beethoven – 200 Anos da 9.ª Sinfonia”
Orquestra Filarmonia das Beiras
Orquestra Sinfónica do Departamento de Comunicação e Arte da Universidade de Aveiro
Direcção musical | Luís Carvalho
Com Beatriz Maia (soprano), Rafaela Veiga (contralto), Pedro Rodrigues (tenor), Luís Rendas Pereira (barítono)
Centro de Artes de Ovar
21 Dez 2024 | sab | 21:30

“Freude, schöner Götterfunken / Tochter aus Elysium / Wir betreten feuertrunken / Himmlische, dein Heiligtum // Deine Zauber binden wieder / Was die Mode streng geteilt / Alle Menschen werden Brüder / Wo dein sanfter Flügel weilt”. Lidos assim, isoladamente, poucos de nós identificarão os versos em alemão, mas saíram da pena de Ludwig van Beethoven há 200 anos, numa adaptação livre de um poema de Friedrich Schiller. Sobejamente conhecidos, se associados à música, são parte integrante do quarto andamento da 9.ª Sinfonia do génio alemão, “Coral”, a última sinfonia completa que compôs. Motivada por uma encomenda da Philharmonic Society de Londres, a obra foi estreada a 7 de Maio de 1824 no Theater am Kärntnertor, em Viena, e dedicada a Frederico Guilherme III, rei da Prússia. Beethoven recapitulou os moldes do ideal sinfónico que contribuiu para estabelecer, enriquecendo-os com solistas e coro no andamento final, desta forma condensando vários elementos do Classicismo tardio, como a expansão tímbrica e numérica da orquestra e a influência da música coral usada para educar e galvanizar multidões nos anos que se seguiram à Revolução Francesa. É neste pressuposto que se inscreve o “Hino à Alegria”, trazendo com ele uma mensagem de igualdade e fraternidade, de paz, união e liberdade, tão cara ao compositor.

Estreada há 200 anos, a Sinfonia Coral é uma das criações humanas mais influentes da Contemporaneidade. Com uma complexidade formal sem precedentes, uma orquestração que rompia horizontes, uma tal ousadia diante das premissas artísticas e ideológicas vigentes, tornou-se grandiosa – verdadeiramente monumental. O andamento inicial é uma forma sonata que se materializa a partir de uma pequena célula descendente dominada pela ambiguidade tonal. À atmosfera tensa e trágica, com jogos de pergunta-resposta e contrastes dinâmicos, segue-se um tema lírico e contemplativo. O andamento termina com uma longa coda contrapontística que mistura elementos novos com os temas previamente apresentados. O segundo andamento é marcado pela vivacidade rítmica, em torno de uma célula percussiva, associada a um crescendo. O terceiro andamento apresenta e varia uma melodia lírica inspirada na vocalidade. A melodia, o ritmo e a harmonia são progressivamente transformados, com o processo a ser interrompido por fanfarras percussivas. Misturando a organização da forma sonata com tema e variações, o último andamento começa de forma tensa e dramática, para terminar numa fuga cinética que recapitula e mistura temas dos andamentos anteriores num final glorioso, encarnando em som as novas ideias de Humanidade propagadas pelas Luzes.

Proposta do Município de Ovar para evocar este Natal, a 9.ª Sinfonia de Beethoven veio mostrar que a música salva-nos. No mesmo dia em que um louco apoiante de um partido de extrema-direita alemã semeou o terror num Mercado de Natal em Magdeburgo, no dia seguinte a termos assistido, em Lisboa, a um largo conjunto de pessoas encostadas à parede pela polícia em função da cor da pele, na mesma semana em que o Barómetro da Imigração, da Fundação Francisco Manuel dos Santos, vem mostrar o quanto há de discriminação e preconceito na nossa forma de ver aqueles que escolheram Portugal para viver e trabalhar - e quando à nossa volta a Guerra na Ucrânia escala, o genocídio do povo Palestiniano parece não ter fim e a extrema-direita, populista e paranóica, cresce a olhos vistos em todo o mundo -, escutamos esta música celestial e damos por nós a pensar que, realmente, a música salva-nos. Depois de três andamentos orquestrais que nos vão preparando para o grande final, Luís Rendas Pereira, num timbre baixo e modulado, clama “freude, freude” [“alegria, alegria”] e as preocupações como que se desvanecem. É o céu que se abre em fulgor divino, em palavras que juntam os homens e se vertem em amizade, humildade e lealdade. Sob a direcção musical de Luís Carvalho, a Orquestra Filarmonia das Beiras soube estar à altura desta obra apaixonada e apaixonante, para a qual contribuíram os seus quase sessenta instrumentistas, assim como o coro. Foi uma noite da melhor música e, como se disse, de salvação. Noite de paz, noite de amor. Um Feliz Natal a todos!

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