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terça-feira, 24 de dezembro de 2024

CINEMA: "Emilia Pérez"



CINEMA: “Emilia Pérez”
Realização | Jacques Audiard
Argumento | Jacques Audiard, Thomas Bidegain, Léa Mysius, Nicolas Livecchi
Fotografia | Paul Guilhaume
Montagem | Juliette Welfling
Interpretação | Zoe Saldana, Karla Sofía Gascón, Selena Gomez, Adriana Paz, Edgar Ramírez, Mark Ivanir, Eduardo Aladro, Emiliano Hasan, Gaël Murguia-Fur, Tirso Pietriga, Xiomara Melissa Ahumada Quito, Magali Brito, Javier Zagoya Montiel, Alejandra Reyes
Produção | Jacques Audiard, Pascal Caucheteux, Valérie Schermann, Anthony Vaccarello
França | 2024 | Comédia, Crime, Drama, Musical, Thriller | 132 Minutos | Maiores 14 anos
Cinema Trindade - Sala 1
23 Dez 2024 | seg | 16:30


Apetece dizer que a vida não está fácil para ninguém, e muito menos para aqueles que gravitam na órbita do crime organizado, nomeadamente nos cartéis de droga mexicanos. Enquanto uns lutam por subir na hierarquia das organizações, outros anseiam por se libertar delas. Elos mais frágeis, as mulheres são confrontadas com oportunidades que não podem recusar. Está neste caso uma jovem e talentosa advogada que tem um péssimo emprego num escritório de advocacia em Juarez.  É lá que trabalha nos recursos dos processos judiciais, depois de o seu chefe não conseguir inocentar, numa primeira instância, os clientes mais do que culpados. Neste ambiente tóxico e tenso, a oportunidade de carreira surge via telemóvel. O chefe de um cartel quer dar um novo rumo à sua vida, deixar para trás a organização que lidera e encontrar um refúgio seguro e longe das vistas. Adicionalmente, pretende mudar de sexo. Muitos anos mais tarde, em Londres, a advogada conhece uma charmosa mexicana, que lhe pede ajuda para recuperar os filhos.

Rodado em espanhol e inglês, com filmagens em Espanha e maioritariamente num estúdio perto de Paris, “Emilia Peréz” derrama no ecrã uma enorme presença e força física, com muito canto e rap à mistura. Um risco que Audiard aceitou correr nesta comédia que é também drama e musical, com resultados que podem não tocar o gosto de todos os públicos, ou porque não “atinam” com musicais, ou porque as opções do realizador nem sempre se mostram acertadas. Isso deve-se, em parte, a alguns actores menos talhados para as características do desempenho, mas também à qualidade duvidosa de certas músicas e respectivas letras. E ainda assim o impulso criativo e narrativo resulta numa ópera grandiosa, exuberante. O cuidado posto no trabalho de argumento merece ser realçado, já que a transexualidade é aqui tratada com a proximidade que o tema implica e o rigor que se lhe exige. Neste aspecto Karla Sofía Gascón tem um desempenho superlativo, contribuindo decisivamente para que as restantes interpretações sobressaiam de maneira convincente.

Violência doméstica, tráfico humano, abuso infantil e emponderamento feminino são igualmente assuntos que Audiard aborda neste seu filme, enquadrando-os nos ambientes de uma cultura com uma forte identidade como é o caso da mexicana. Jacques Audiard sempre criou filmes muito físicos, ainda que a fisicalidade e mesmo a brutalidade possam não representar uma definição de género ou uma estilização estética que sirvam a todos os públicos. Será esse, porventura, o motivo que leva a que alguns de nós – eu incluído - não se sintam purificados à saída do cinema, antes inspirados por uma experiência cinematográfica visualmente poderosa e inesperada. Prémio do Júri em Cannes, quatro Palmas de Ouro para o conjunto de actrizes e grande vencedor dos Prémios do Cinema Europeu, conquistando cinco estatuetas, entre as quais as de Melhor Filme, Melhor Realizador e Melhor Argumento, todos para Jacques Audiard, “Emilia Peréz” merece bem a sua visualização.

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