TEATRO: “Terminal (O Estado do Mundo)”
Texto | Inês Barahona
Encenação | Miguel Fragata
Cenografia | Eric da Costa
Figurinos | José António Tenente
Música | Hélder Gonçalves
Interpretação | Anabela Almeida, Carla Galvão, Hélder Gonçalves, Manuela Azevedo, Miguel Fragata, Vasco Barroso
Produção | Formiga Atómica
90 Minutos | Maiores de 14 Anos
Teatro Nacional São João
27 Out 2024 | dom | 16:00
Com passagem, entre outros, pelo Festival de Teatro de Almada e pelo Festival de Avignon, “Terminal (O Estado do Mundo)” chegou finalmente ao Porto para uma breve estadia no Teatro Nacional de São João. Segunda parte de um díptico sobre a crise climática, cuja primeira se intitulava “O Estado do Mundo (Quando Acordas)”, a peça aborda o mundo em que vivemos num hipotético futuro, depois de uma hecatombe à escala planetária ter dizimado a maioria das pessoas, obrigando os sobreviventes a refugiarem-se nos locais mais inóspitos. Eis-nos perante um espaço de desolação, povoado de grandes raízes que tudo engoliram. É lá que se reúnem quatro pessoas muito diferentes entre si, obrigadas a entenderem-se na busca de uma saída: O homem da mala, acérrimo defensor do velho sistema; a cidadã comum, presa ao passado e que do futuro tem apenas uma ideia utópica; a mulher sem raiz, apostada em percorrer sozinha um caminho de mudança; e o cidadão que se aproxima da figura do activista, que advoga a necessidade de matar o mal pela raiz, eliminando o passado e começando tudo de novo.
Num cenário de catástrofe, onde o vislumbrar de um piano ou das velhas cadeiras do Teatro São João tomados pelas raízes nos situa nesse futuro distópico, o espaço onde tudo acontece tanto pode ser um fim de linha para a humanidade, como a interface ou ponto de conexão com outra dimensão, outra linguagem. No terminal reside a ideia de fim de uma certa visão da humanidade, ao mesmo tempo que um olhar sobre o futuro permite contemplar uma nova realidade, algo que emerge à medida que a extinção da humanidade surge como uma ameaça. É um lugar com uma forte carga simbólica, sem referências geográficas concretas, onde o tempo parece deter-se em torno do estado de catástrofe em que vivemos, “essa festa despudorada do ser humano enquanto tudo arde”. O desconforto de ter um pé no presente e outro no futuro advém do reconhecimento da nossa incapacidade de agir num espaço que é tanto a imagem da nossa inércia como uma proposta de invenção coletiva de uma nova cosmogonia.
Nesta abordagem filosófica à crise climática que enfrentamos, somos guiados por Manuela Azevedo numa caminhada que importa fazer em conjunto, sobretudo pelo que encerra de desafio no imaginar colectivo de algo cuja forma e força ignoramos. As suas falas são inspiradas no canto nómada australiano, as memórias do povo aborígene trazidas nas palavras dos ancestrais e transmitidas de geração em geração. Como elas, também nós somos guiados por caminhos desconhecidos, tornados próximos pelo sentir daqueles que nos precederam. Imbuídas desse espírito, as canções do espectáculo contam o trajecto de cada personagem. Inês Barahona e Miguel Fragata quiseram imaginar uma forma que constituísse a chave para pensar a crise climática e a urgência da acção e que, ao mesmo tempo, desse a perceber que estamos perante uma crise de imaginação, face à grande dificuldade em pensar numa outra forma de viver, num outro sistema. Trouxeram-nos a este “Terminal”, cuja história é um espelho da nossa situação, ao mesmo tempo realista e distópica. As perguntas estão lá: Como vê o mundo daqui a cinquenta anos? Se pudesse mudar alguma coisa que tivesse impacto global, o que seria? Qual o seu maior medo? Há algo em que não acredita, de todo?…
[Foto: © Filipe Ferreira | TNDMII | https://www.tndm.pt/pt/odisseia-nacional/pecas/terminal-o-estado-do-mundo/]
Sem comentários:
Enviar um comentário