Páginas

terça-feira, 8 de outubro de 2024

EXPOSIÇÃO DE FOTOGRAFIA: "Não Estar Nem Aí"



EXPOSIÇÃO DE FOTOGRAFIA: “Não Estar Nem Aí”,
de Elisa Mariotti, Francesca Faulin e Katerina Kouzmitcheva
Curadoria | Vítor Nieves
Encontros da Imagem de Braga 2024
Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva, Braga
20 Set > 03 Nov 2024


“Não Estar Nem Aí” reúne as obras de Elisa Mariotti, Francesca Faulin e Katerina Kouzmitcheva, três das artistas finalistas do Emergentes 2023, que, através de abordagens distintas, investigam temas que a sociedade moderna tende a ignorar ou evitar. O título da exposição, inspirado na obra de Kouzmitcheva, remete-nos para uma atitude de indiferença ou distanciamento face a questões que, embora presentes no quotidiano, são frequentemente evitadas ou silenciadas. Esta postura de “não estar nem aí” funciona como uma metáfora que convida à reflexão sobre a forma como lidamos — ou, mais precisamente, como não lidamos — com problemas que afetam profundamente a nossa sociedade, tais como a doença mental e a toxicodependência. A decisão curatorial de reunir estes três projetos, à primeira vista tão distintos, constitui uma chamada de atenção, na medida em que estabelece uma ligação entre preocupações que, apesar de diferentes na sua manifestação, partilham um denominador comum: a recusa ou a fuga face a realidades incómodas. Este diálogo entre as obras evidencia como a sociedade frequentemente prefere ignorar ou evitar confrontar questões que desafiam o seu conforto e estabilidade.

Janela íntima para o mundo fechado das comunidades terapêuticas, onde a toxicodependência é abordada através de um processo rigoroso de reabilitação e reintegração, “A Letter from Home”, de Elisa Mariotti, é o resultado de uma investigação na comunidade de San Patrignano, em Itália, uma das maiores e mais conhecidas do mundo. Este conjunto de imagens desafia-nos a confrontar uma das realidades mais incómodas e frequentemente ignoradas da sociedade contemporânea: o ciclo vicioso da adição e o esforço contínuo para superá-la. Mariotti força-nos a encarar de frente as realidades da toxicodependência, que tantas vezes nos fazem “não estar nem aí”. Ao explorar as rotinas diárias, os desafios emocionais e as relações humanas dentro da comunidade, a artista subverte a narrativa típica de marginalização associada às pessoas toxicodependentes. Em vez disso, evidencia a complexidade de um processo que exige a superação de uma dependência física e a reconstrução de identidades fragmentadas, muitas vezes através de interacções cuidadosamente mediadas e de um retorno gradual a uma vida estruturada.

Francesca Faulin, com “L’originale, l’ombra e la ripetizione”, mergulha nas sombras de uma história familiar silenciada, oferecendo uma reflexão sobre a complexidade da doença mental e a construção da identidade. Inspirada na descoberta de um diário do seu avô, onde este documentou os últimos anos de vida do seu tio Francesco, que sofreu de esquizofrenia, Faulin explora a delicada linha entre a sanidade e a psicose, questionando os limites entre a normalidade e a doença. Utilizando técnicas fotográficas antigas, a artista não só revive memórias do passado, mas também enfatiza a natureza fragmentada e repetitiva da experiência de quem vive com esquizofrenia. A escolha destas técnicas confere às imagens uma qualidade etérea, quase fantasmagórica, que ecoa a citação com que a artista inicia a sua obra: “À medida que a sombra cresce, cresce também a distância entre o original e a cópia.” Neste trabalho, a sombra — a esquizofrenia — distancia progressivamente o indivíduo da sua identidade original, criando múltiplas camadas de existência que se sobrepõem e se repetem, como num ciclo interminável.

Katerina Kouzmitcheva, com a obra “My Hut Is On The Edge”, leva-nos a explorar as subtilezas do distanciamento e da indiferença através de uma investigação sobre expressões idiomáticas que refletem atitudes de desapego e desinteresse em relação ao mundo que nos rodeia. Através de uma combinação de ditados tradicionais ou expressões populares e cenários fictícios, a artista utiliza o humor negro para retratar a ignorância e a apatia, reflectindo, em última análise, a modernidade líquida perante questões que exigem uma postura activa e consciente. As obras de Katerina Kouzmitcheva, além disso, desempenham um papel fundamental na arquitectura conceptual desta exposição, operando simultaneamente como enlaces e separadores entre as demais obras apresentadas. Assim, tecem uma rede de significados que, ao mesmo tempo que unifica as diferentes abordagens temáticas, sublinha as distinções que as caracterizam, actuando como pontos de intersecção, onde o discurso da indiferença se articula com a complexidade dos temas abordados pelas outras artistas, criando uma coesão interpretativa com tanto de orgânico quanto de provocador.


Sem comentários:

Enviar um comentário