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segunda-feira, 7 de outubro de 2024

EXPOSIÇÃO DE FOTOGRAFIA: "Do Antropoceno: Antes, Ainda e Amanhã"



EXPOSIÇÃO DE FOTOGRAFIA: “Do Antropoceno: Antes, Ainda e Amanhã”,
de Ana Rodríguez Heinlein, Luca Rotondo, Martin Tscholl
Curadoria | Vítor Nieves
Encontros da Imagem de Braga 2024
Mosteiro de Tibães, Braga
20 Set > 03 Nov 2024


O conceito de Antropoceno, enquanto marco geológico e histórico, desafia-nos a repensar a nossa relação com o ambiente e as paisagens que nos rodeiam. As transformações que lhe são inerentes não apenas moldaram fisicamente a Terra, mas também alteraram profundamente as nossas percepções do natural. As paisagens que hoje reconhecemos e valorizamos como naturais são, muitas vezes, resultado de intervenções humanas acumuladas ao longo de séculos, tornando-se testemunhas silenciosas das forças antropogénicas que as criaram e transformaram. Integrando o programa da 34ª edição dos Encontros da Imagem, “Do antropoceno: Antes, Ainda e Amanhã” propõe-se explorar essas questões, oferecendo uma plataforma para a contemplação e para a problematização das paisagens do presente e do futuro. Os projectos de Ana Rodríguez Heinlein, Luca Rotondo e Martin Tscholl, três dos finalistas do Emergentes 2023, abordam aspectos nucleares da antropização do meio, atravessando os conceitos de memória, acção humana e tecnologia e apresentando-se num tempo não linear que funde passado e futuro. Desta forma, a degradação e a preservação do meio ambiente são reveladas como partes de um todo, sublinhando a indissociável interligação entre estes processos.

Na sua obra “Tierra sin água”, Ana Rodríguez Heinlein aborda o “Antes”, esse passado recente que se desdobra como uma advertência urgente para o futuro. Através de uma investigação visual e conceptual sobre a seca no sul da Península Ibérica, Heinlein expõe a vulnerabilidade de uma região cuja prosperidade sempre esteve intimamente ligada a este recurso vital. Como a própria artista observa, “a escassez deste recurso expõe conflitos latentes e põe à prova dependências que antes não eram questionadas”, revelando as fissuras de um sistema que insiste em explorar a água como se fosse infinita. Heinlein questiona as consequências de práticas históricas e contemporâneas que priorizam objectivos económicos, como a agricultura intensiva e o turismo, sobre a sustentabilidade a longo prazo. A artista lembra-nos que o passado, com todas as suas práticas insustentáveis, não está distante; ele molda o presente e pressagia um futuro incerto. Heinlein convida-nos a refletir sobre o legado destas práticas, sobre a irreversibilidade das mudanças que já ocorreram e sobre a responsabilidade de reavaliar a nossa relação com o ambiente para evitar um colapso que ameaça tanto a natureza quanto a vida humana.

“Kirka”, de Luca Rotondo, confronta-nos com a tensão persistente entre passado e presente, explorando a complexa relação entre os seres humanos e os ursos nos Alpes. Após quase um século de caça implacável que levou a espécie à beira da extinção na região, o projecto europeu “Life Ursus” foi implementado na esperança de restaurar uma população viável de ursos. No entanto, o retorno destes mamíferos não teve significado apenas ao nível da reintrodução da vida selvagem, mas também reacendeu antigos conflitos entre as comunidades locais e os ursos, tornados símbolos tanto de orgulho quanto de ameaça. Ao revelar o choque entre a vontade de proteger uma espécie emblemática e a necessidade de garantir a segurança e os interesses das comunidades locais, Rotondo expõe as camadas de contradições e ambiguidades que marcam esta coexistência forçada e a difícil convivência entre conservação e progresso. Neste “Ainda”, o artista convida a reflectir sobre a nossa capacidade de reparar os danos causados ao ambiente e coloca-nos no centro de um dilema moral e ecológico que persiste, lembrando que a convivência entre o ser humano e a natureza é um processo contínuo e incerto.

Martin Tscholl assina o “Amanhã” com um conjunto de imagens de grande formato que tomam o nome de “Imaginary Ecologies”. Através delas, o artista projecta-nos para um futuro especulativo onde a natureza, tal como a conhecemos, é reinventada. Fazendo a apropriação de objetos naturais, restos de animais ou de vegetais e outros elementos que podemos encontrar no ambiente, Tscholl constrói as vistas que transcendem o presente e nos desafiam a imaginar um mundo onde as fronteiras entre o natural e o artificial se esbatem. Estas ecologias imaginárias não são meras fantasias, mas sim explorações profundas das relações complexas e interdependentes que existem entre todas as formas de vida. Tscholl convida-nos a um exercício de imaginação activa, onde as espécies que povoam o seu trabalho parecem tanto familiares quanto estranhas, como se pertencessem a um tempo ainda por vir. Ao explorar essas interacções e transformações, o artista abre um espaço fotográfico que nos convida a imaginar e dialogar com um futuro em que a Humanidade deve repensar radicalmente o seu lugar no ecossistema global.


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