Páginas

domingo, 4 de agosto de 2024

LUGARES: Museu Casa Carlos de Oliveira



LUGARES: Museu Casa Carlos de Oliveira
Rua Conselheiro Costa Soares, 2 - Febres
Horário | Segunda a sexta feira, das 09:00 às 13:00 e das 14:00 às 17:00; sábado, das 09:00 às 13:00 e das 14:00 às 18:00
Ingresso | Entrada grátis


“Meu pai era médico de aldeia, uma aldeia pobríssima: Nossa Senhora das Febres. Lagoas pantanosas, desolação, calcário, areia. Cresci cercado pela grande pobreza dos camponeses, por uma mortalidade infantil enorme, uma emigração espantosa. Natural portanto que tudo isso me tenha tocado (melhor, tatuado). O lado social e o outro, porque há outro também, das minhas narrativas ou poemas publicados (…) nasceu desse ambiente quase lunar habitado por homens (…).”
Carlos de Oliveira, in “O Aprendiz de Feiticeiro”

Carlos Alberto Serras de Oliveira nasceu em Belém do Pará, Brasil, a 10 de agosto de 1921. Filho de emigrantes portugueses, viveu no Brasil até aos dois anos de idade, mas foi em Febres, Cantanhede, onde a família se fixou a partir de 1923, que passou a sua juventude, o que marcará profundamente a sua escrita. Estudou em Coimbra, onde se licenciou em Ciências Histórico-Filosóficas em 1947, e onde estabeleceu amizade e proximidade ideológica e política com Joaquim Namorado, João Cochofel e Fernando Namora. Em 1948 mudou-se para Lisboa, onde manteve colaborações pontuais em vários jornais e revistas, como Altitude, Seara Nova e Vértice. Em 1942 lançou o seu primeiro livro de poemas, “Turismo”, integrado na colecção “Novo Cancioneiro”. Entre 1943 e 1953 publicou a maior parte da sua obra de prosa: “Casa na Duna” (1943), volume da coleção dos “Novos Prosadores”; “Alcateia” (1944); “Pequenos Burgueses” (1948); e “Uma Abelha na Chuva” (1953), esta última considerada uma das mais importantes obras da literatura portuguesa e que se tornará um clássico de leitura obrigatória nos programas escolares até final da década de 90. Na poesia Carlos de Oliveira é considerado inovador e um dos poetas do neorrealismo que mais marcas deixou na tradição poética portuguesa. Faleceu a 1 de julho de 1981, em Lisboa.

Febres, simpática vila do Município de Cantanhede, guarda uma parte preciosa do espólio do escritor, sendo ali possível visitar aquela que foi, na infância e juventude, a sua residência e sentir os ambientes próprios de um trabalho que viria a classificar de “vagaroso, feito, desfeito, refeito, rarefeito”. O espaço envolvente nada terá a ver com aquele que encontraríamos há um século, mas o Largo em frente à Igreja ainda ali está, testemunha que foi de grandes disputas de malha em que participavam Carlos de Oliveira e Fernando Namora, em convívio com populares. Impressiva, marcante, a paisagem da infância - “que não é nenhum paraíso perdido mas a pobreza, a nudez, a carência de quase tudo” - surge vertida recorrentemente na sua obra. Disso nos dão conta os painéis explicativos dispostos ao longo do percurso museológico, levando-nos ao encontro da região gandaresa, uma terra “passageira”, feita de “dunas modeladas, desfeitas pelo vento”. Lá estão as “casas construídas com adobos que duram sensivelmente o que dura uma vida humana”, a paisagem física feita de sol e terra, campos e lagoas, juncos e pântanos, barrancos e poceirões, a paisagem humana composta de aldeolas ermas, casebres muito baixos de adobo, leiras de pinhal, vinha, milho, fornos de cal.

Cada divisão do Museu Casa Carlos de Oliveira é um mundo aberto à descoberta de novos mundos. Ali encontramos as obras literárias que compunham a biblioteca do escritor, a sua máquina de escrever, algum mobiliário da casa, um gira-discos, um retrato belíssimo com assinatura de Lima de Freitas. E escritos, muitos escritos, testemunhos dos “(anos) à procura da palavra certa”, repletos de “correções, rasuras, acrescentos”, aquilo que o escritor considerava ser “o meu forte (e o meu fraco)”. Um conjunto de documentos leva o visitante ao encontro do filme de Fernando Lopes, “Uma Abelha na Chuva”, extraído do romance homónimo de Carlos de Oliveira e que contou com a assinatura do escritor no argumento, em co-autoria com o realizador. A parte final da visita mergulha-nos no “recanto dos escritores da Gândara”, testemunho vivo de todos aqueles que, seguindo as pisadas de Carlos de Oliveira, fizeram questão de “extravasar os limites da geografia física para a geografia literária”. Nele figuram, entre outros, os nomes de Idalécio Cação, Mário Cupido, Paulo Frade, Silvério Manata, Ferro Santos, Ribeiro Maçarico, Lurdes Breda e António Canteiro, que com os seus escritos muito vêm acrescentando à afirmação da identidade geográfica, social, linguística e cultural da Gândara.

Sem comentários:

Enviar um comentário