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segunda-feira, 5 de junho de 2023

CONCERTO: Xabier Díaz & Adufeiras de Salitre



CONCERTO: Xabier Díaz & Adufeiras de Salitre
Salão Novo Ático - Coliseu do Porto
04 Jun 2023 | dom | 18:00


Abril de 1991. O Rivoli – Teatro Municipal acolhia a segunda edição do Festival Intercéltico do Porto, certame que viria a assumir um papel relevante na agenda cultural da cidade. Foi nesse ano que me cruzei com a música de Alan Stivell, dos Bagad Kemper e dos Vai de Roda, tendo início uma ligação que só viria a romper-se com o fim do Festival, dezasseis anos depois. As memórias, essas, são gratas e imensas. Foi no Intercéltico que escutei os Chieftains e os Luar na Lubre, os Matto Congrio e os De Dannan. Que conheci a Uxia, a Amélia Muge e a Márta Sebestyén. Os Dervish, os Boys of the Lough e os Four Men and a Dog. Ainda, os Realejo, os Gaiteiros de Lisboa e a Brigada Vitor Jara. O Carlos Nuñez e a Maddy Prior, o Xosé Manuel Budiño e a Susana Seivane. Os Vartinna e os Garmarna. Os Berroguetto e os La Musgaña. Também a Ronda dos Quatro Caminhos e os Toque de Caixa. O Kepa Junkera e os Skolvan. Foi lá que ouvi o Fausto e “Por Este Rio Acima” (inesquecível a genial “emenda” do Orlando Costa, a esquecer-se da letra e a substituir Pequim por Póvoa de Varzim). Também os Altan, os Cempés, os Galandum Galundaina e até os Fairport Convention. Tantas e tão extraordinárias memórias que vieram todas à tona, ontem mesmo, com Xabier Díaz e as Adufeiras de Salitre.

Maravilhoso concerto este, que nos trouxe o genuíno sabor da música da Galiza. Música revisitada por um dos maiores investigadores do folclore tradicional galego, que sabe como ninguém unir as pontas do que é ancestral e do que é vanguardista, oferecendo-nos a possibilidade de nos deliciarmos com a autenticidade de alalás e pandeiradas, jotas e muiñeiras. Para tal, rodeou-se de dois instrumentistas fabulosos - o acordeonista Roberto Grandal e o sanfoneiro Iván Costa - e de cinco adufeiras de Salitre, que à qualidade e virtuosismo da percussão juntaram as suas magníficas vozes. Foi com elas que desenvolveu um projecto que resultou em três trabalhos discográficos, o último dos quais, “As Catedrais Silenciadas” (2020), integrou o top 10 do World Music Charts Europe e o Top of the World da revista britânica Songlines. Baseando o alinhamento do concerto nesta trilogia - que se completa com “The Tambourine Man” (2015) e “Noró (Alcunhas Musicas do Norte)” (2018) -, Xabier Díaz e as Adufeiras de Salitre começaram por oferecer “Langueirón”, seguindo-se “Cantiga da Montaña” e “Unha Fala e un Cantar”. Tocadas e cantadas com alma, tiveram o efeito maior de pôr uma parte do público a dançar (e como dançou). E provaram que, “na era da tecnologia e da inteligência artificial, nada pode substituir um concerto de música”, com a sua magia e empatia, a sua força e emoção.

Como as cerejas, as músicas sucedem-se e são avidamente saboreadas. Se “Mes de Maio, Mes de Abril” faz bater os pés no chão, “Danzas de San Salvador” faz erguê-los no ar. “Carniña da miña carne / sangue do meu corazón”, assim reza “Tentenublo”, enquanto “Maneo de Vilaño” é um daqueles clássicos que nos tocam o coração e nos dizem que o mundo pode ser um lugar tão bonito. Já o concerto vai a meio quando se anuncia uma surpresa. E que surpresa. Dão pelo nome de “Crua” e são a Ana Costa, a Ana Trabulo, a Diana Ferreira Martins, a Isabel Martinez, a Liliana Abreu e a Rita Só. Também elas adufeiras, também elas com a alma na voz e a liberdade no espírito. E que bem cantaram a “Moda da Tosquia” e acompanharam a “Xota da Lira” e, a fechar o alinhamento, “O Baile de Noró”. Entusiasmo redobrado, os bailadores a multiplicarem-se a cada novo tema, o concerto fechou com “Voa o Aire”, a sala a cantar a uma só voz “voa o aire, voa o vento / así como o aire voa / tamén voa o pensamento”. No coração de todos, o sentir de uma completa comunhão entre “portugueses do norte e galegos do sul”, elos firmes de uma pátria comum que é a nossa língua e a nossa cultura.

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