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segunda-feira, 12 de junho de 2023

CONCERTO: "Que Sonoramente Canta"



CONCERTO: “Que Sonoramente Canta” | O Bando de Surunyo
Participação especial | Musurgia Ensemble
Direcção artística | Hugo Sanches
Com | Eunice Abranches d’Aguiar, Raquel Mendes (soprano); Patrícia Silveira (alto); Carlos Meireles (tenor); Sérgio Ramos (baixo); Hugo Sanches (alaúde); Pedro Martins* (alaúde); Hélder Sousa* (cravo); João Távora*, Silvia Cortini* (flauta); (*elementos Musurgia)
Produção | Artway
Organização | Divisão da Cultura e Desporto da Câmara Municipal de Ovar
60 Minutos | Todos os públicos
Capela do Calvário, Ovar
11 Jun 2023 | dom | 16:00


Foi um momento verdadeiramente singular aquele que, na tarde de ontem, pudemos escutar na Capela do Calvário, em Ovar. Replicando a música tocada na corte, em casas senhoriais ou em espaços religiosos nos séculos XVI e XVII, dando a ouvir os poemas que estão na sua génese, O Bando de Surunyo ofereceu um concerto onde à qualidade e virtuosismo souberam juntar a graça e a harmonia. Ao longo do concerto, com eles esteve o Musurgia Ensemble, projecto ovarense dedicado à música portuguesa e europeia dos séculos XV a XVIII, e ainda dois convidados especiais, também eles ovarenses - Beatriz Amaral e Ezekiel Martins -, que integraram os conjuntos num dos temas interpretados. Convidado a recuar cerca de quinhentos anos, o público teve a oportunidade de embarcar numa autêntica viagem no tempo, embalado por tonos e responsórios, letrilhas, vilancicos e ensaladas, ao encontro de “um universo musical em que religião e humanismo se fundem numa rica e variada paleta de géneros devocionais, teatrais e poéticos”.

“Que Sonoramente Canta” é um escaparate da música magistralmente escrita pelos cónegos regrantes do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, com finalidade ora litúrgica, ora lírica, ora teatral, ora de todas em simultâneo. Importa salientar que o Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra foi um dos principais centros musicais da Península Ibérica durante o século XVII e que, no decurso dos últimos anos, O Bando de Surunyo se tem dedicado à redescoberta da vastíssima colecção de música aí produzida e que, felizmente, resistiu às agruras do tempo e chegou aos nossos dias. Ao trazer esta música de volta à vida, volvidos quase quatro séculos, o grupo oferece-nos a possibilidade de perceber o quanto ela mantém “o poder de encantamento que seguramente teria quando primeiro foi escutada.” É essa a sensação que temos quando, emocionados, escutamos “La justa”, de Mateo Flecha El Viejo, peça que abriu o concerto e que, na sua essência, nos mergulha no ambiente do combate mortal entre o bem e o mal, Deus de Israel e Lucifer, a Salvação das gentes como prémio anunciado.

O concerto prosseguiu com quatro peças produzidas no Mosteiro cerca de 1640/50, todas elas carregadas de um forte lirismo e tendo como tema principal o amor, as suas causas e consequências. Depois de “Beata viscera Mariae”, tema instrumental que é um responsório para o Natal, escutou-se “Dexad al Niño que Llore”, uma deliciosa letrilha onde os açoites propostos para calar o Deus menino prenunciam já os sofrimentos que virá a padecer até ao Calvário. Para o final estavam guardadas duas preciosidades - “A Minino Tam Bonitio” e “Antoniya! Flaciquia! Gazipá!” -, dois vilancicos de negro que remetem para a adoração do Menino Jesus e cujas letras guardam a componente da língua crioula. É no primeiro destes temas que encontramos a expressão “bando de surunyo” e que parece poder ser traduzida por “bando de estorninhos”. É também aqui que Raquel Mendes brilha a grande nível, juntando à beleza da sua voz uma enorme expressividade. A mesma expressividade e belíssima voz que encontramos em Patrícia Silveira no tema derradeiro, da autoria de Filipe da Madre de Deus, o qual inclui um bem humorado momento teatral. Teatro, poesia e música num concerto inesquecível.


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