“A cada quatro ou cinco anos, volto a pôr tudo em causa”, costumava dizer Gérard Fromanger. A cronologia, afinal, pouco importa, uma vez que a sua obra forma um todo. Esta exprime-se na evidência do fragmento, cada um funcionando como totalidade em reserva. Por isso, oferece-se a uma leitura sem princípio nem fim, cada período feito de dúvidas, rupturas, recomposições e técnicas diferentes, mas sempre no respeito por uma enorme coerência. É nesta linha que podemos apreciar “O Esplendor”, por estes dias patente no Museu Coleção Berardo, uma mostra composta por vinte e seis séries que marcam a obra de Fromanger, exibidas num conjunto de mais de sessenta quadros seminais, desenhos e serigrafias, bem como a sua curta-metragem “Film-tract n° 1968”, realizado com Jean-Luc Godard. No âmago da presente exposição, dando-lhe o título, vamos encontrar as séries “Splendeurs” I, II e III, ao mesmo tempo homenagem a Fernando Pessoa e ao seu poema “O Esplendor”.
Historicamente, existe uma convergência entre a obra de Gérard Fromanger e a “pop art”, na preferência por cores não moduladas e audaciosas, no interesse pelos domínios do gosto popular e na valorização dos temas contemporâneos. As suas conversões a diversas práticas fizeram com que permanecesse constantemente aberto a novas ideias, contrariando a restrição rígida a este ou àquele movimento artístico bem definido. A sua exploração do conjunto das temáticas tradicionais da pintura — o retrato, o nu, a paisagem, a mitologia, a pintura de temas históricos — inscreve-o na continuidade da história da pintura, mas a sua forma despojada de todo o simbolismo implica ao mesmo tempo uma ruptura. É, antes de mais, no afloramento do mundo e dos seus signos, que fixa no silêncio os seus rumores e a sua história de sinapses e de dissidência.
De acordo com o seu desejo reivindicado de uma evolução constante, de pintar numa sociedade livre, as imagens criadas por Fromanger devem ser entendidas enquanto aspetos do real. Sem procurar a inquietante estranheza, através da banalidade das cenas captadas na rua, o artista persegue uma revolução permanente feita de desejo num mundo onde a estética publicitária e ateia compõe a vida. No seu trabalho, as séries respondem a uma lógica interna, marcando cada uma das épocas com a sua biografia íntima, os seus encontros e a sua relação com a atualidade. As figuras, paisagens, objetos, formas, surgem no centro da tela, ausentes de peso, sem sombra nem profundidade, sem a ilusão de um espaço perspectivo. A imobilidade das formas e a gestualidade conversam entre si, num efeito de indistinção entre o fundo e a superfície, o figurado e o figurável, o cheio e o vazio. Para ver até 29 de Maio.
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