A história do acordeão é deveras interessante, devendo as suas origens ao cheng, espécie de órgão portátil tocado pelo sopro da boca e inventado na China cerca de 2700 a.C. . Porém, foi só em 1822, na Alemanha, que o fabricante de instrumentos Christien Friederich Buschmann, criou o primeiro acordeão, aperfeiçoando-o nos anos seguintes e assistindo à sua rápida disseminação, sobretudo em França e em Itália. Com uma forte implantação na música popular de toda a Europa, o instrumento chegou ao mundo do jazz de forma discreta, sendo ainda hoje encarado por muitos como uma curiosidade. Tentando vencer a relativa obscuridade em que o acordeão vive mergulhado, virtuosos como Guy Klucevsek, Jean-Louis Matinier, Will Holshouser, Andrea Parkins, Luciano Biondini e o enorme Richard Galiano têm feito um trabalho notável, associando-se a músicos incontornáveis da cena jazzística como Charlie Haden, Bill Frisell, Gianluisi Trovesi ou Anthony Braxton. O mais novo de todos estes virtuosos do acordeão dá pelo nome de João Barradas, é português e foi ele o convidado da Orquestra de Jazz de Espinho na noite do passado sábado. E que noite!...
O início do concerto, valha a verdade, foi relativamente desconcertante. Com a tónica nos metais, “Estiramantens”, composição de Mário Laginha, viu o acordeão ser completamente abafado nessa luta desigual contra uma dúzia de saxofones, trompetes e trombones. A estridência dos metais anulou igualmente contrabaixo, piano e vibrafone e temeu-se o pior. Felizmente, a música entrou nos eixos com “Care” e, de seguida, com “Resilience”, dois temas de João Barradas, extraídos do álbum “Portrait”, de 2020. Dois temas magníficos, acrescente-se, neles sobressaindo a qualidade das composições e o virtuosismo das interpretações, valorizados com os arranjos belíssimos de Carlos Azevedo no primeiro tema e de Paulo Perfeito no tema imediato. “Concert in the Garden”, da compositora norte-americana Maria Schneider, foi outro momento sublime, pontuado por um longo solo improvisado através do qual João Barradas mostrou, entre o clássico e o contemporâneo, a dimensão da sua arte e da sua técnica, assim como a versatilidade deste instrumento.
O concerto encerrou com “The Fremont Seven” e “Cross Fire”, dois temas do brasileiro Jovino Santos Neto que trouxeram com eles um cheirinho a trópicos e a samba. Ao baterista João Martins juntaram-se os jovens percussionistas Diogo Maia e João Oliveira, enchendo o ar de ritmos coloridos e vibrantes fantasias. Para eles vai o primeiro aplauso, que se estende naturalmente aos vibrafonistas João Rosa e Guilherme Guedes, este último irrepreensível num solo que marcou o tema “Resilience”. Outros solistas em destaque foram o trombonista Rui Bandeira e o trompetista Hugo Silva, mas também o saxofonista Lucas Oliveira, de quem retemos o entusiasmo num solo do último tema do programa. João Martins mostrou-se enorme na bateria, muito bem acompanhado por João Rodrigues no piano e Diogo Dinis no contrabaixo. A par do enorme trabalho que Paulo Perfeito e Daniel Dias vêm desenvolvendo à frente da Orquestra de Jazz de Espinho, o derradeiro aplauso vai para João Barradas e para os extraordinários momentos proporcionados, pincelando de erudição o muito e bom jazz ouvido num Auditório praticamente esgotado.
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