CINEMA: “Casa Flutuante”
Realização | José Nascimento
Argumento | Ana Pissarra, José Nascimento
Fotografia | Aurélio Vasques
Montagem | Ana Pissarra, José Nascimento
Interpretação | Carolina Virgüez, Inês Pires Tavares, Bernardo Mayer, Carla Maciel, Vítor Norte, Gustavo Sumpta, Guilhermina Bento, Eva Duarte, Manuel Passinhas, Odete Palma, Lurdes Ruas, Melissa Matos, Tomás Sousa, Carlos Melo
Produção | José Mazeda
Portugal, Brasil | 2022 | Drama | 110 minutos | Maiores de 12
Cinema Vida
09 Mar 2022 | qua | 16:00
Falar de “Casa Flutuante” é falar de Margarida, nascida e crescida dentro de um barco nas margens do Tejo e que, com o rio, manteve uma relação de sessenta anos que se transformou quando as autarquias ribatejanas decidiram desalojar os avieiros e destruir as casas palafitas ribeirinhas. Foi nesta história que José Nascimento e Ana Pissarra se basearam para escrever o argumento do filme, cruzando-a com a “Viagem Philosophica”, de Alexandre Rodrigues Ferreira ou “A Jangada”, de Júlio Verne. O facto de haver um forte paralelismo entre a cultura avieira e os povos indígenas que habitam as margens do rio Amazonas levou ao nascimento da personagem Araci, índia e emigrante, um corpo deslocado com quem o português Inácio construiu um lar nas margens do Guadiana, ligeiramente a sul de Mértola. É aqui que Araci reinventa um microcosmos onírico onde verá crescer a neta Joana mas que lhe fecha o futuro. Se por um lado a herança cultural que lhe transmite não a integra na comunidade alentejana, por outro, o rio já não tem peixe e a permanência da casa flutuante na água vai ser ameaçada pelo poder local.
Pese embora a bondade da proposta inicial desta “Casa Flutuante”, o filme começa a perder-se com a chegada de Xavier, um jovem que emigrou com os pais para a Alemanha e que regressa à procura das raízes familiares. É ele que vai fazer emergir o conflito de Joana, mas a falta de naturalidade no desempenho da personagem torna-se quase irritante. Regressam à memória os “males do cinema português”, a exagerada teatralização dos diálogos, as coisas ditas pela metade, “porque é disso que se faz o bom cinema”. Mas se a direcção de actores tem aqui uma grande responsabilidade neste que é o ponto mais fraco do filme, também o próprio realizador se perde um bocadinho na belíssima paisagem de Mértola, filmando o rio e as azenhas, o interior da vila e das casas de Mértola e as próprias minas de S. Domingos como se de postais ilustrados se tratasse, não escapando ao cliché.
Os cinco minutos finais, de enorme significado e beleza, não chegam para atenuar o mal estar perante um filme entediante e pouco efectivo e evidente na concretização das suas propostas. Há Carolina Virgüez, claro, e há Vítor Norte, convincentes nos seus papéis, capazes de elevar os momentos em que contracenam a patamares de outra grandeza. No mais, o filme põe à prova o estoicismo do espectador, tão pouco afoito e tão desinteressante se mostra no seu desenvolvimento. Ainda que velados, ficam para a história os propósitos de denúncia das políticas desrespeitadoras de Bolsonaro dos direitos das comunidade indígenas, do seu protesto e da sua luta pela preservação da sua cultura e identidade. Daí a dedicatória “à Floresta Amazónica, às comunidades indígenas que lutam pela sua preservação e a todos que com ela mantêm uma relação de amor”, mas que, por si só, não chega para fazer um bom filme.
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