de Alexandra de Pinho
Cooperativa Árvore
29 Jan > 05 Mar 2022
Foi com deleite que, em Março de 2017, apreciei a exposição da artista plástica Alexandra de Pinho, no Museu Júlio Dinis, em Ovar. Intitulava-se “O Elogio à Carta | Poéticas da Conectividade” e constituiu uma experiência a tal ponto marcante que, nas raras vezes que voltei a cruzar-me com os seus trabalhos, sempre em contexto de exposições colectivas, experimentei a emoção do regresso a algo de meu, como uma luz de mil cores que se acendesse de novo bem cá no fundo e me enchesse de alegria. Sei hoje que, convocando gratas memórias, as “cartas” de Alexandra de Pinho são um verdadeiro “interruptor de felicidade”. Já o tinha intuído então, ainda que em contexto essencialmente nostálgico – as únicas cartas que agora recebemos resumidas a extractos bancários, facturas da água, recibos dos seguros ou notificações das Finanças. Confirmei-o agora, perante a cascata de emoções que voltou a desprender-se destas suas “Margens da Escrita”.
Com pequenos pedaços de tecido, linhas de várias cores, agulha e tesoura se “pintam” estes quadros. Percebo que há todo um labor prévio de recolha e selecção de sobrescritos que irão servir de base aos trabalhos. Parece-me ver a artista no seu afã de levar à prática o cuidado na avaliação de formatos, tamanhos, estados de conservação, texturas, cores, os próprios cheiros que se desprendem de cada elemento. O resultado final é espantoso. A minúcia no recorte, nas aplicações, no bordado, eleva o objecto artístico a um patamar superlativo. O rebordo desenhado, o timbrado do remetente, os selos que indicam a proveniência, a caligrafia cuidada que identifica o destinatário, tudo é tratado com rigor, perfeição e imenso carinho. Detalhado, o trabalho de composição revela um enorme cuidado e bom gosto na disposição dos elementos, oferecendo ao conjunto uma apresentação harmoniosa, coerente e viva. Acrescente-se a isto caixas de correio, pedaços de envelopes reaproveitados, notas nas margens dos livros, tiras de ECG ou mesmo um Bilhete de Identidade e temos uma noção clara do quão amplas podem ser as “margens da escrita”.
Se, no âmbito material, falo da sublimidade da arte têxtil de Alexandra de Pinho, elevando-a ao plano da pintura, é no domínio da imaterialidade que os seus trabalhos adquirem pleno significado ao evocarem factos, contarem histórias e convocarem memórias. Da cabeça para o coração, a passagem faz-se em sobressalto. As “cartas” que aqui vemos abrem portas e janelas dentro de nós, ao encontro de um tempo em que este era o recurso possível para encurtar distâncias ou matar saudades, desfazer pactos ou renovar juras de amor eterno. Esmerava-se a caligrafia, pesavam-se as palavras. Com impaciência aguardava-se a chegada do carteiro. Conjecturava-se quando a carta se atrasava. Enviar ou receber uma carta era um exercício emocional de grandeza maior. Contribuir para a valorização das nossas memórias, tal é o enorme mérito desta exposição. Isso e a beleza que se derrama de cada quadro, no todo ou no seu mais ínfimo detalhe. Só até 5 de Março. A não perder!
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