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terça-feira, 25 de janeiro de 2022

CINEMA: "O Perdão"



CINEMA: “O Perdão” / “Ghasideh Gave Sefid”
Realização | Maryam Moghadam, Behtash Sanaeeha
Argumento | Maryam Moghadam, Behtash Sanaeeha, Mehrdad Kouroshniya
Fotografia | Amin Jafari
Montagem | Ata Mehrad, Behtash Sanaeeha
Interpretação | Maryam Moghadam, Alireza Sani Far, Pouria Rahimi Sam, Avin Poor Raoufi, Fradi Ghobadi, Lili Farhadpour, Mohammad Heidari, Pejvak Imani, Mohamad Ramezani Pour
Produção | Etienne de Ricaud, Gholamreza Moosavi
Irão, França | 2020 | Drama | 105 Minutos | Maiores de 14
Cinema Vida
23 Jan 2022 | dom | 18:15


Com as suas forças e fraquezas, segredos e contradições, o sistema prisional sempre foi terreno grato à indústria cinematográfica. No caso de “O Perdão”, filme iraniano realizado por Maryam Moghadam — que também é protagonista desta história — e Behtash Sanaeeha, estamos perante uma obra que questiona um sistema judicial implacável, conspurcado até à medula, que mostra a sua firmeza na hora de condenar à pena capital, mas que não hesita em refugiar-se na “vontade de Deus” quando erra nas suas decisões, lavando as mãos com um valor a título de indemnização, o chamado “dinheiro de sangue”. Se a história de um homem inocente a quem a justiça tira a vida serve de pano de fundo a “O Perdão”, a crítica social subjacente ao filme acaba por relegar para segundo plano o impacto do dedo apontado às instituições, deixando a nu o que significa “ser mulher” no país dos ayatollah.

Cozinhado em lume brando, “O Perdão” encerra uma descrição muito precisa do desamparo de uma mulher e da sua filha, face à perda do marido. O que fazer num país onde as mulheres não podem sequer alugar um apartamento se não estiverem sob a tutela de um homem? Como suportar um inferno de burocracias, sempre de cabeça vergada ante o paternalismo daqueles que representam as instituições? Quais as soluções para lidar com o tremendo desgaste de ver esgotadas as poucas opções de fazer vingar os poucos direitos, restando apenas o ressentimento e a mais profunda dor? É na resposta a estas e outras questões que “O Perdão” se afirma como um exercício de cinema de grande impacto e alcance, pesando as questões morais inerentes ao drama que acaba por se abater sobre todos, vítimas e culpados, de quem se espera que perdoem ou sejam perdoados.

Representação amarga da sociedade iraniana, “O Perdão” mostra-nos o que acontece quando perdemos a confiança nas instituições. Sóbria e segura, a realização de Maryam Moghadam e Behtash Sanaeeha revela-se particularmente eficaz na criação de momentos compartimentados que pedem que os juntemos para que a história alcance um sentido pleno. Os espaços são sempre concentracionários, enfatizando o local de trabalho ou a casa de habitação como autênticas prisões. Um quarto de hospital, uma sala de audiências ou o interior de um automóvel são igualmente prisões. Ninguém está isento de culpas, todos buscam o perdão. É nesta dialética que o filme se move, tirando partido da contenção de uma câmera que sabe dar valor ao tempo e de uma actriz fabulosa, Maryam Moghadam no papel desta mulher com letra maiúscula. “O Perdão” é um filme que exige empenho do espectador se quiser aceder ao seu âmago, mas que sabe recompensá-lo com a força e o saber do grande cinema.

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