Páginas

quarta-feira, 12 de maio de 2021

LIVRO: "A Casa Quieta"



LIVRO: “A Casa Quieta”,
de Rodrigo Guedes de Carvalho
Ed. Publicações Dom Quixote, Maio de 2005 (11ª edição, Fevereiro de 2009)


“É então isto a morte. Abrires os olhos à espera de uma revelação e esbarrares no nada. Hoje entendo vê se entendes: o nada. Não algo que não esperavas, não uma desilusão maldita, uma angústia. O nada, como falar-te dele. Como quando éramos miúdos e fechávamos os olhos com força os olhos cheios de cores enevoadas agora está alaranjado agora vermelho será verde, juro que vejo um azul como o céu. Como juro não quero jurar mas vou, que me fazes falta, eu que gosto pouco de juras, desconfio, acho que dá sempre mau resultado.”

Contado a várias vozes, em diferentes tempos, o romance “A Casa Quieta” tem méritos que justificam o sucesso literário que alcançou à data da sua publicação e que tanto contribuiu para projectar a carreira de prestígio do jornalista e escritor Rodrigo Guedes de Carvalho, alicerçada em obras como “O Pianista de Hotel”, “Jogos de Raiva” ou o mais recente “Margarida Espantada”. Há semelhança destes últimos, “A Casa Quieta” passeia-se na intimidade do ser humano, ao encontro daquilo que nele se pode achar de mais belo ou de mais odioso: Na rotina do trabalho, das compras e dos filhos ou numa viagem de avião a dois para parte incerta; num gesto de ternura ou na revelação de que existe mais alguém; na festa e no riso ou na doença que vai minando o corpo e na morte implacável.

Acompanhando de perto a relação de Salvador e Mariana, marido e mulher, à qual acrescenta os contactos esporádicos com os irmãos de um e de outro e respectivas famílias, Rodrigo Guedes de Carvalho mostra-nos o quão frágeis podem ser as relações, os sonhos feitos de areia fina da praia, o betão a moldar os nossos maiores pesadelos. Misturando, no mesmo cadinho, ternura e delicadeza com desprezo e raiva, o autor oferece-nos um retrato perturbador daquilo que de mais precário e efémero temos: as nossas próprias vidas. Uma breve passagem, quase só um fugaz momento, a educação que recebemos dos nossos pais a pesar toneladas (e quem conhece a obra de Rodrigo Guedes de Carvalho sabe o quão pesado esse legado é), o futuro projectado naqueles que, sangue do nosso sangue, vimos nascer e crescer.

“A Casa Quieta” é um livro feito de nós. De nós enquanto pessoas que vivem sentem sofrem. De nós porque nos cruzamos e descruzamos uns nos outros, nos agarramos e nos soltamos enquanto aguardamos a morte que virá para nos juntar ou separar de vez. É também um livro belíssimo na sua escrita, com passagens duma enorme força, as palavras a pedirem para ser lidas num sussurro ou num grito. Com emoção e ardor, sempre. São elas que nos guiam por salas de reuniões onde acontece não esperar o inesperado, corredores de hospital onde paira “uma mistura quase doce de remédios, suor e desinfectante”, consultórios com vista para o rio mais os seus “barquinhos irreais a vencerem a ondulação de Inverno”, alamedas com árvores enormes, nodosas, e cães passeados por velhos. Essas mesmas palavras que nos pedem que escutemos a casa quieta, a dor da solidão, um cão aninhado entre a cama e o armário sem ninguém do outro lado da trela.

Sem comentários:

Enviar um comentário