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segunda-feira, 10 de maio de 2021

EXPOSIÇÃO: "À Margem, de Certa Maneira"


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EXPOSIÇÃO: “À Margem, de Certa Maneira”,
de Manuela Pimentel
Curadoria | Tatiana Engelbrecht
Maio do Azulejo 2021
Centro de Arte de Ovar
01 Mai > 25 Jun 2021


“Revolta. Confusão. Caos. Inversão de papéis. Metamorfose.
Transformação. Dicotomia entre caça e caçador.
Envolvência do medo. Assepsia como tentativa de salvação.
Uma nova-velha indumentária como prenúncio da redenção.
A morte como parceira de dança num baile às avessas.
Sonhos cancelados. Planos soterrados.
Isolamento. Recolhimento. Introspeção. Abraços recolhidos.
Beijos não trocados. Afetos proibidos.
A casa como o único mundo possível.

Tatiana Engelbrecht [“A Margem de Manuela Pimentel]

Integrada na programação do “Maio do Azulejo 2021”, evento promovido pela Câmara Municipal de Ovar, inaugurou no passado dia 01 de Maio, no Centro de Arte, a exposição “À Margem, de Certa Maneira”, da artista portuense Manuela Pimentel. Uma exposição belíssima, atrevo-me a adiantar, quer do ponto de vista da sua qualidade técnica e estética, quer pela sua originalidade, quer sobretudo pelas mensagens implícitas, remetendo para as margens em que nos movemos e para a inquietação que daí advém. Em tempo de pandemia, a cultura e os seus agentes tão castigados, esta exposição adquire um significado maior, e não é sem surpresas que, abaixo das palavras de Tatiana Engelbrechet (um quase-manifesto que reproduzo acima), encontramos uma caixa, com a respectiva ranhura, onde pode ler-se “esmolas para os artistas à margem”.

Transpondo umas cortinas em veludo negro onde, nelas bordado, vamos encontrar o título da exposição, o visitante adentra o espaço da ampla galeria e é brindado com um verdadeiro banho de luz que irradia de cada uma das peças. É assombrosa a dimensão de algumas delas; o “recorte” de outras mostra-se sugestivo. Em todas, os motivos têm um toque comum, semelhando-se a painéis de azulejos que, na verdade, não o são. É como que uma contaminação, de um lado os ambientes setecentistas e, do outro, os referentes de semiótica urbana que marcam os dias de hoje. As camadas que se sobrepõem nas peças pedem olhar atento, as leituras que suscitam obrigam-nos a ver para lá da superfície. “Há sempre qualquer coisa que está para acontecer, qualquer coisa que eu devia perceber”, sussurra-nos a artista, à boleia de José Mário Branco. Começamos, então, a somar dois mais dois: “Ser solidário” não é só letra, não são só palavras.

Num primoroso trabalho de composição, Manuela Pimentel fala-nos, na sua obra, da passagem do tempo e do seu efeito sobre a matéria. Fala-nos do efémero, na forma de belíssimos painéis que remetem para glórias passadas, ou do presente onde aquilo que damos por adquirido hoje deixou de o ser amanhã. Esta espessura, esta dimensão múltipla, é aquilo que de mais sedutor o trabalho da artista tem para oferecer. É um baile do avesso, uma inquietação. Uma teriaga capaz de reverter qualquer peçonha. “São flores aos milhões entre ruínas, meu peito feito campo de batalha”. É a aprendizagem da liberdade. Desço agora as escadas rumo à saída e, no átrio, junto aos cartazes que anunciam a exposição, uma última peça prende a minha atenção. É a última ou será a primeira? Há sempre inquietação. A inquietação, sempre. “Eu não meti o barco ao mar para ficar pelo caminho”, grita-me a autora à medida que me afasto.

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