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domingo, 18 de abril de 2021

LIVRO: "Diálogos para o Fim do Mundo"



LIVRO: “Diálogos para o Fim do Mundo”,
de Joana Bértholo
Ed. Editorial Caminho, Janeiro de 2010


“Na absurda radicalidade da guerra, não há distinção entre o médico e o matemático: é uma vida que se soma, três famílias que se subtraem, uma nação que se divide, e somente a mágoa e o ressentimento encontram multiplicação.”

Feliz reencontro com a escrita de Joana Bértholo, “Diálogos para o Fim do Mundo” volta a provar-nos não haver limites neste alinhar de palavras umas atrás das outras a que chamamos literatura. Bastam imaginação, talento e, como descobriremos, uma firme crença no diálogo, essa “suprema forma de alimento”. Com enorme inteligência e lucidez, a autora volta a tomar o leitor pela mão, levando-o num passeio entre a dor e a nostalgia, ao encontro das paisagens do fim do mundo que se abrem na lonjura dos caminhos ou se revelam por inteiro no interior das nossas próprias casas. É nelas que adivinhamos os traços de uma finitude instalada no momento em que o ar invade pela primeira vez os nossos pulmões, o acaso a vincar dobras e limites, “o futuro como agora mas mais à frente”.

“Existe fim no começo e começo no fim”, começa por nos dizer Joana Bértholo nesta história de uma família num país em guerra. Não uma família qualquer, a mãe e os filhos apenas, o pai no Brasil, uma nova criança que acaba de nascer. Não um país qualquer, antes o áspero e difícil Uzbequistão sob o domínio do império russo, um lugar onde a neve é mesmo neve, e o frio está mesmo frio, “onde a fé escasseia e os olhares de humanidade se tornam ao chão”. Não uma guerra qualquer, antes a Primeira Grande Guerra Mundial. Mas, afinal, “onde se mede a Guerra para se saber se ela é Grande?”

De uma extraordinária acutilância, a autora vai-nos confrontando com o tanto que julgamos saber sem sabermos tanto assim. Ela pede-nos que façamos uma pausa, ainda que breve, e atentemos num envelope que persevera na ponta de um pedestal, no mundo alinhado num índice a meio de um livro, num Mito que é apenas um cão, no Cinema como a última das Artes, no peso do Sol, num iceberg em rota de colisão com um navio. É aí, nas voltas do acaso, que nos reencontramos com aquilo que a vida nos tem reservado e que faz com que sejamos o que somos neste preciso momento. Tudo envolto numa prosa rica de imagens e de sons, as palavras como pontas soltas estrategicamente posicionadas, pedindo ao leitor que as relacione, que olhe para este mundo em queda livre e que o salve.

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