LIVRO: “Agora e na Hora da Nossa
Morte”,
de Susana Moreira Marques
Ed. Edições Tinta-da-china, Janeiro de 2013
de Susana Moreira Marques
Ed. Edições Tinta-da-china, Janeiro de 2013
“Mas não é a ideia de desconhecido
que assusta: é a ideia de que não haja desconhecido; apenas o fim.”
Depois de muitos, muitos quilómetros,
as aldeias são uma só. Por caminhos velhos, um céu imenso onde
volteiam, imponentes, as águias, o Douro como fronteira, Susana
Moreira Marques e o fotógrafo André Cepeda acompanharam as equipas
de cuidados paliativos domiciliários que, no planalto mirandês,
“ajudam dezenas de doentes, de várias idades, condições sociais
e circunstâncias familiares, a passar o final de vida com o maior
conforto possível, e a morrer, acompanhados, em casa”. Das visitas
que fez, recolheu a escritora apontamentos vários, guardando nos seus
cadernos histórias e memórias de gentes e de vidas.
Acrescentou-lhes a sua visão lúcida e despojada de juízos, daí
resultando este “Agora e na Hora da Nossa Morte”, mergulho em
apneia nas escuras e frias águas de uma realidade que a todos
assiste, a morte, esse fim de linha tão natural como a própria
vida.
Dividido em dois capítulos maiores –
“Notas de viagem sobre a morte” e “Retratos” - e ainda um
brevíssimo final intitulado “Quando regressares da viagem que
ninguém saudável quer fazer, vais” -, o livro convida o leitor a
escutar aqueles a quem o tempo de vida que resta é escasso, a
deitar-se à cabeceira das suas camas percebendo um sopro que se vai
extinguindo, a sentir o vazio deixado pelos que partem, a ler no eco
das suas sentenças a sabedoria dos simples, a sentar-se à mesa de
sempre, de ora em diante incompleta. Na urgência dum tempo que se
escoa de forma inexorável, Susana Moreira Marques vem lembrar-nos,
por muito que o queiramos esquecer, que qualquer semelhança entre as
personagens aqui retratadas e pessoas reais não é mera
coincidência, sendo muito provável que cada um de nós guarde no seu coração lugar para um
João e uma Maria, para uma Paula, para uma Elisa e uma Sara.
Aqueles que, por força da profissão, têm visto, vivido e sentido muito daquilo que aqui é
narrado, não podem deixar de ler “Agora e na Hora da Nossa Morte” com redobrada emoção. Carregados de apreensão e dúvida, os intermináveis turnos são feitos de Joãos e Marias, de Paulas, de Elisas, de Saras e de tantos outros cujos delgados fios de vida teimam em não quebrar graças ao oxigénio
em máscara de alto débito, aos cocktails milagrosos a gotejar em
bombas perfusoras ou às manobras de ressuscitação quando “investir” é a palavra de ordem. Porém, aquilo que Susana Moreira Marques nos mostra
neste seu livro é uma outra forma de estar,
oferecendo o calor duma palavra ou de um gesto, em vez do aço biselado que punciona mais uma veia ou da cânula de nome impronunciável que se ajusta na traqueia. Para quem sempre se escudou na técnica, fez dos profissionais de
saúde os verdadeiros heróis de dramas recorrentes e só de longe viu a
família no seu luto, este livro é uma lição de vida. Preferindo mostrar a força das suas fraquezas e dizer, com toda a humildade,
“se não quiseres saber a resposta não faças a pergunta”, Susana Moreira Marques mostra-nos que, qualquer que seja o lado da barricada em que nos encontremos, somos carne da mesma carne e sangue do mesmo sangue. O que ela nos diz, muito claramente, é que nesta vida não há lugar a excepções, somos todos vencedores e vencidos. A cada um a sua hora!
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