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sábado, 11 de maio de 2019

TEATRO: "Amores Pós-Coloniais"



TEATRO: “Amores Pós-Coloniais”
Criação | André Amálio
Co-criação e movimento | Tereza Havlíčková
Criação musical | Pedro Salvador e Romi Anauel
Colaboração | Selma Uamusse e Toni Fortuna
Cenografia | Pedro Silva e Hugo Migata
Interpretação | André Amálio, Júlio Mesquita, Laurinda Chiungue, Pedro Salvador, Romi Anauel, Tereza Havlíčková
Produção | Hotel Europa
90 minutos | Maiores de 14
FITEI – Festival Internacional de Teatro de Expressão Ibérica
Teatro do Campo Alegre - Sala-Estúdio
10 Mai 2019 | sex | 19:00


“Love is – if it is really love – a form of eternal dynamism and at the same time fidelity to the first encounter. It is a tension, or better, a sort of dialectics: between dynamism and fidelity. The same holds for Revolution. The moment when a revolution stops to reinvent, not only social and human relations, but stops reinventing its own assumptions, we usually end up in a re-action, in a regression. A truly revolutionary moment is like love; it is a crack in the world, in the usual running of things. Love is Revolution!”

Srećko Horvat, “The Radicality of Love”


São seis actores em palco. Recuam no tempo e falam de amor, dos seus amores, definem a forma como os vêem e sentem, falam das primeiras vezes. E das segundas e das terceiras. Esclarecem que estão ali para falar de amor. “Não estamos interessados em teatro político, não. Queremos falar de amor. De amor pós-colonial”, afirmam. E falam do amor que encontraram na pequena aldeia de Pontével, no concelho do Cartaxo, numa juke-box em Lourenço Marques, no nascimento duma criança nos Açores, num clube de Lisboa. Mas também do Porto e de Coimbra e de Angola e de Moçambique e da Guiné-Bissau e do Brasil. Tal como Srećko Horvat, gritam que “o amor é Revolução”.

Como que pretendendo colocar um ponto final num ciclo que teve o seu início com “Portugal Não É Um País Pequeno” (2015) e prosseguiu depois com “Passa-Porte” e “Libertação” (ambos de 2017), projectos que passaram em revista o período do Estado Novo e da Guerra Colonial, o colectivo Hotel Europa começa por afirmar a sua vontade em desligar-se do teatro de cariz político, mas cedo se percebe uma profunda ironia nesta “carta de intenções”. Assentando no teatro documental, “Amores Pós-Coloniais” mergulha fundo no espaço colonial e pós-colonial, em busca do amor (ou da possibilidade do amor) em condições sociais, culturais e políticas particularmente controversas. Para tal, a companhia encetou uma residência artística em Pontével, recolheu dezenas de depoimentos e trouxe dezasseis desses testemunhos à Sala-Estúdio do Teatro do Campo Alegre, vertendo-os, incómodos, “a frio”, sobre o público. Dezasseis testemunhos que foram dezasseis murros no estômago. Em nome da verdade!

Ao longo de quase duas horas, iremos percebendo que “Amores Pós-Coloniais” levantam um conjunto de questões às quais a sociedade portuguesa teima em não responder. André Amálio, Tereza Havlíčková e o restante elenco fazem questão de partilhar com o público o seu próprio testemunho, a surpresa que foi escutarem as histórias de violência gratuita no estalar do conflito armado nas antigas províncias ultramarinas, a surpresa ao perceberem a forma como uma mulher negra era espiada à mesa para garantir se comia com garfo ou simplesmente com as mãos, a surpresa de verem como outra mulher negra, acompanhada do filho ainda criança, foi racial e sexualmente atacada num autocarro em Lisboa, a surpresa de sentirem o medo na alma do homem negro que foge e se esconde nas ruelas do Bairro Alto, nessa mesma noite em que um português, Alcino Monteiro, foi cobardemente assassinado por um bando de cabeças rapadas, apenas porque a cor da sua pele era diferente. A surpresa – meu Deus, a enorme surpresa! - de ver os comportamentos e atitudes do líder desse mesmo bando branqueados num programa de televisão em Portugal. Não em 1995, à data do crime, não vinte anos depois, mas em 2019. Na manhã de 3 de janeiro de 2019. E uma palavra sobe-nos à boca, como um vómito: vergonha!

Amor e revolução. Revolução e amor. Mas como falar de amor quando a mulher preta é objectificada, usada e abusada, os frutos das relações imorais mantidas com uma parte desse milhão de jovens soldados que demandaram as colónias entre 1961 e 1974 espalhado por toda a África, Portugal a assobiar para o lado sem reconhecer os nascidos nestas condições como cidadãos portugueses de pleno direito? E como falar de amor quando o homem preto, sobrevivente do horror e trazido para Portugal, convive com aquele que matou ou ajudou a matar os seus pais (podia ser António Lobo Antunes a “massacrar-nos” com a narrativa doentia de “Até Que As Pedras Se Tornem Mais Leves Do Que A Água”)? Ou como falar de amor quando a rapariga, tentando esbater os estigmas da sua cor, alisando os cabelos, os cremes a clarearem a pele, deixa de gostar de si própria (aqui é Djaimilia Pereira de Almeida e o notável “Esse Cabelo” que nos relembra o “drama” da mulher preta)? “Amores Pós-Coloniais” é uma preciosa achega para um debate que está por fazer. Um debate urgente, como o amor!

[Foto: Filipe Ferreira / tndm.pt]

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