LIVRO: “Bom Dia Camaradas”,
de Ondjaki
Ed. Editorial Caminho, 2003 (4ª
edição, Março de 2018)
É através do olhar de uma criança
que Ondjaki nos convida a mergulhar na Luanda dos anos 80 neste “Bom
Dia Camaradas”. Entre a casa e a escola, acompanhamos um quotidiano
feito de rostos, gestos, expressões, laços, direcções, num
processo de crescimento comum ao de tantas crianças, tornado incomum
pelo ambiente hostil numa Angola tomada pela Guerra Civil. Ainda
assim um ambiente feliz, num universo rico de imaginação e
fantasia, o ser criança a verter em simplicidade e naturalidade os
cortes no abastecimento da água e da luz, o controlo do consumo dos
alimentos, os desenhos de armas e as redacções sobre a guerra.
Misturando, em doses iguais, a
realidade com a ficção, “Bom Dia Camaradas” tem um cunho
marcadamente autobiográfico, o Murtala, o Bruno “Viola”, a
Petra, a Romina ou a Luaia a trazerem para o presente a infância do
próprio Ondjaki, aqui no papel do narrador. Há ainda o camarada
António, personagem que serve de elo de ligação com o passado
colonialista português, e os camaradas professores cubanos, de quem
o autor recebeu ensinamentos humanos determinantes e por quem revela
um enorme carinho. São eles que trazem para a narrativa o olhar dos
estrangeiros, o olhar socialista, o olhar da busca pela liberdade, o
olhar do proletariado.
Primeiro romance de Ondjaki, “Bom Dia
Camaradas” pode ser visto como um percursor do delicioso
“AvóDezanove e o Segredo do Soviético”, publicado cinco anos
mais tarde. Há uma sobreposição muito grande das personagens e dos
locais da acção, o que faz com que a leitura de ambos se torne
complementar. A poesia contida num abacateiro que se espreguiça ao
acordar encontra paralelo num BarcoÍris, a ameaça do “Caixão
Vazio” é a mesma do jacaré preso na casota do cão na casa do
EspumaDoMar. Os momentos de prazer que se retiram da prosa de Ondjaki
são únicos.
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