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terça-feira, 19 de fevereiro de 2019

EXPOSIÇÃO DE FOTOGRAFIA: "O Fumo dos Dias"


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EXPOSIÇÃO DE FOTOGRAFIA: “O Fumo dos Dias”,
de Luís Carvalhido
iNstantes 2019 - Festival Internacional de Fotografia de Avintes
Casa da Cultura Francisco Marques Rodrigues Junior
01 Fev > 03 Mar 2019


“Sabe? Perguntaram-me os olhos negros abertos, mais que a boca semicerrada. Eu sei viver sem comer, como não sei contar os dias, também não sei as refeições que não como. Acrescentou: não sei é viver sem o calor do fogo, pois acredito que morro, se não tiver o lume a aquecer-me. Calo-me sem saber o que dizer. Invade-me o silencioso crepitar da fogueira. Por momentos não vejo nada, não sinto nada. Corpos disformes na moldura triste do fumo, vagueiam num contraluz sem nexo. O cheiro… os cheiros da lenha verde e húmida e as fagulhas mortiças do eucalipto são o único movimento de verdade dentro deste contentor negro, ferrugento e de fundo lamacento…”

Luís Carvalhido, in “O Fumo dos Dias”


Revestindo-se, no essencial, de um carácter pejorativo, a palavra “cigano” provém do grego “atsinganos” e designa, originalmente, um povo nómada de baixa reputação. Ainda que controversa, a palavra tem um significado preciso e permite objectivar estas comunidades que, no seu conjunto, englobam cerca de dez milhões de indivíduos. Com algumas excepções, as suas condições de vida situam-se muito abaixo daquilo que são as condições médias nos países onde se encontram. Segregados, discriminados no trabalho e no sistema escolar, eles representam um verdadeiro desafio para aqueles que, lutando contra o preconceito e a intolerância, procuram encontrar soluções que promovam a sua inserção social sem pôr em causa a identidade étnica e cultural destas minorias.

Quando partiu ao encontro dos ciganos de Fornelos, no concelho de Barcelos, Luís Carvalhido não tinha em mente qualquer abordagem sociológica ou antropológica ao fenómeno. A motivação inicial do projecto era puramente estética, assente na sua paixão pela fotografia. A verdade é que acabou, fatalmente, por se ver envolvido na “questão cigana” ao manter, ao longo de oito meses, uma relação de proximidade, quase de cumplicidade, com uma comunidade que nem sempre o recebeu da melhor forma. A sua enorme persistência e sensibilidade acabou por ter como resultado “O Fumo dos Dias”, trabalho que ultrapassa em muito a fronteira da fotografia, oferecendo um retrato cru de um quotidiano que rechaça estereótipos, olhando de frente a realidade chocante de seres humanos que vivem em condições degradantes e de enorme privação, imersos num clima de vulnerabilidade e de crescente incerteza e medo quanto ao seu futuro.

Integrada no iNstantes 2019 - Festival Internacional de Fotografia de Avintes e patente ao público até 03 de Março numa das salas da Casa da Cultura Francisco Marques Rodrigues Junior, “O Fumo dos Dias” coloca o dedo numa chaga aberta na nossa sociedade. São imagens que desvendam fronteiras ditadas por situações sociais e denunciam relações de poder que diferenciam dominantes e dominados, maiorias e minorias. Com um olhar fundado no fotojornalismo, Luís Carvalhido furta-se ao convencional e ao politicamente correcto para abalar consciências e mexer com poderes instalados. As suas fotografias têm essa força, essa capacidade de questionar o mundo em que vivemos. Vale a pena atentar neste seu trabalho e descobrir que, mais do que mil palavras, cada imagem vale mil gritos de indignação e de revolta!

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