CINEMA: “Love” / “Kjærlighet”
Realização | Dag Johan Haugerud
Argumento | Dag Johan Haugerud
Fotografia | Cecilie Semec
Montagem | Jens Christian Fodstad
Interpretação | Andrea Bræin Hovig, Tayo Cittadella Jacobsen, Marte Engebrigtsen, Lars Jacob Holm, Thomas Gullestad, Marian Saastad Ottesen, Morten Svartveit, Khalid Mahamoud, Brynjar Åbel Bandlien, Anna Berg, Tov Sletta, Christine Stoesen, Paal Herman Ims, Svein Tindberg, Sigrid Huun, Elisabeth Dahl, Miriam Sogn, Dagfinn Tutturen, Bao Andre Nguyen, Numa Edema Norderhaug, Astrid Sætren, Sanna Getz, Nelia Enoksen, Henriette Steenstrup
Produção | Hege Hauff Hvattum, Yngve Sæther
Noruega | 2024 | Drama, Comédia, Romance | 119 Minutos | Maiores de 14 Anos
Vida Ovar - Castello Lopes
07 Dez 2025 | dom | 15:10
Com o filme “Love”, do norueguês Dag Johan Haugerud, chega ao fim a “Trilogia de Oslo” que, em boa hora, os distribuidores fizeram chegar aos ecrãs das nossas salas de cinema. Aqui, o cineasta retoma a notação dialógica que atravessava os dois filmes anteriores, olhando a forma como se negoceia a própria intimidade num presente em que ser autêntico parece ter tanto de desejável como de ameaçador. Assente num argumento exímio na forma como escrutina as relações humanas, Haugerud faz do diálogo o motor da narrativa e do quotidiano um laboratório emocional das (in)certezas amorosas contemporâneas. Marianne, urologista pragmática e desencantada, e Tor, enfermeiro homossexual habituado ao engate nos ferries nocturnos, encarnam duas formas de errância afectiva que, mais do que convergirem, se iluminam mutuamente. A travessia entre ilha e cidade - público e privado, rotina e desejo - torna-se metáfora insistente deste pêndulo identitário. Não há julgamentos, apenas a curiosidade de perceber como é vivida a vulnerabilidade quando a busca do “certo” deixou de fazer sentido e o instinto não chega para organizar a vida.
Haugerud estende essa curiosidade aos territórios menos fotogénicos das relações: a doença, o corpo intervencionado, o medo de envelhecer. A entrada de Bjørn, psicoterapeuta e futuro paciente de Tor, desloca discretamente o filme para uma reflexão sobre o encontro entre o cuidado físico e o afectivo, sobre o que significa desejar alguém cuja fragilidade se torna subitamente visível. O filme e, de um modo mais lato, a trilogia, atinge o auge da melancolia, evocando a consciência da finitude. Ao mesmo tempo, o filme expõe a dificuldade de conciliar os ideais com o gesto do quotidiano e enquanto Marianne testa a promessa libertadora da intimidade casual, mas tropeça na própria hesitação, Tor procura apenas os gestos simples sombra de um beijo ou de uma carícia, capazes de suspender por instantes a solidão. Ambos ensaiam modos de relação que desmontam a lógica romântica tradicional, mas nunca a substituem por novas certezas. O que Haugerud parece querer mostrar é que a vida emocional se escreve tanto nos impulsos quanto nos recuos, nas escolhas e nos seus remendos, nessa permanente coreografia entre o desejo intenso de liberdade e o medo de ser livre.
Que a ambição temática de “Love” é ampla, disso não restam dúvidas. Há no filme uma depuração radical do drama, uma aposta na palavra como ferramenta de desnudamento moral, os diálogos como a expressão das dúvidas e certezas de personagens apostadas em olhar para o mais fundo de si. Num ou noutro momento, o fluxo verbal parece aproximar-se do ensaio ilustrado, em que os planos fixos surgem demasiado higiénicos, retirando alguma textura emocional às situações. Mas a autenticidade mostra-se espelhada nessa contenção quase puritana tão característica do cinema nórdico, fazendo lembrar nomes como Dreyer, Bergman ou, mais recente, Lars von Trier. Acima de tudo, “Love” consegue, de forma singular, cartografar com honestidade e sem cinismo um presente afectivo desorientado, onde cada gesto de aproximação, por muito precário que seja, se revela necessário. Entre falhas e epifanias, Haugerud capta a humanidade de duas pessoas que, apesar de todas as palavras, só se entendem verdadeiramente quando aceitam que o amor - ou o que quer que possa substitui-lo ou sublimá-lo - raramente se mostra capaz de ganhar raízes.
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