EXPOSIÇÃO DE FOTOGRAFIA: “Teatra”,
de João Telmo e Martim Pedroso
Caracterização | Cátia Bolota
Figurinos | João Telmo, Besta de Estilo
Produção | Nova Companhia
Ponto C - Cultura e Criatividade, Penafiel
27 Set 2024 > 23 Fev 2025
“Qual a personagem que nunca interpretaram, mas pela qual sempre se sentiram seduzidos?” Foi este o desafio lançado a duas dezenas de actores e encenadores, dos mais significativos da cena teatral portuguesa, espevitando-lhes a imaginação e levando à concretização dos sonhos de cada um, apenas que só pela metade. Nas vidas sonhadas para além da máscara, nos ecos do tempo que a memória devolve, os papéis que invejaram na interpretação de outrem, as personagens sugeridas por uma leitura ou uma simples troca de ideias, foram-se cristalizando em desejo, ao encontro do qual se assumiu, em grande medida, o projecto de João Telmo e Martim Pedroso. Assim nasce “Teatra”, um projeto de registo fotográfico de algumas das figuras que mais glorificaram, enobreceram e engrandeceram a arte do Teatro em Portugal. Através dele se arquitecta e imortaliza um legado fotográfico visualmente musculado e integro, o que é tanto mais importante porquanto, nos quase cinco anos que medeiam entre a estreia da exposição no Teatro da Trindade, a 20 de Dezembro de 2018, e o momento em que chega a Penafiel, dois dos vinte retratados partiram já do reino dos vivos.
Sendo a Nova Companhia uma plataforma artística que tem como objetivo basilar o constante questionamento e investigação do teatro e das artes visuais contemporâneas, pretendeu-se com esta exposição erigir uma obra intemporal, que homenageasse de forma magnânima e inaudita as efígies do teatro português. Quem repara nas belíssimas imagens que preenchem alguns dos espaços nobres do Ponto C, percebe isso mesmo, e percebe também que isto de fotografar as maiores figuras do teatro português não é apenas “apontar a máquina e disparar”. Há todo um trabalho de concepção, encenação, caracterização e confecção de figurinos digno de uma grande produção. Atente-se, por exemplo, na imagem que abre a exposição. É um Rei Lear de longas barbas brancas e vestes sumptuosas, a coroa tombada na cabeça, o olhar enlouquecido, quem sabe se após ter tido conhecimento da traição de duas das suas filhas e de ter proferido a sentença de morte de Cordélia, a filha mais nova. O olhar é vivo, mas as rugas em torno dos olhos denunciam certa idade. Aproximamo-nos da legenda e a surpresa invade-nos. É Maria do Céu Guerra, e não poderia ser um Lear mais convincente.
De igual forma, vemos e valorizamos Eunice Muñoz na pele de Doutor Fausto, Ruy de Carvalho como Tenente Columbo ou Isabel Ruth fazendo-se passar por Orlando. Fernanda Lapa é Medeia, Cucha Carvalheiro é Mary Stuart, João d’Ávila é Herodes e Carlos Paulo personifica, de forma extraordinária, Dioniso, de “As Bacantes”, de Eurípedes. O mesmo se poderá dizer de Rui Mendes e Paula Só, Sinde Filipe e Márcia Breia, João Mota e Lourdes Norberto ou Rui Mendes e Lídia Franco, entre outros, em papéis que visitam algumas das mais intemporais obras teatrais, casos de “Hamlet”, de Shakespeare, “Mãe Coragem”, de Bertolt Brecht, “A Gaivota”, de Anton Tchekhov, “Bruscamente no Verão Passado”, de Tennessee Williams ou “A Dança da Morte”, de August Strindberg. Perante gente tão ilustre, é inevitável sentirmo-nos tomados pelo desejo de ver aqueles que aprendemos a respeitar e a amar nos papéis que só ao de leve afloram, certos do sublime que tomaria conta dos momentos em que tal fosse possível. Mais do que uma homenagem, “Teatra” e uma reverência. É afirmar que as tábuas do passado são as tábuas do futuro.
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