CINEMA: “O Paraíso, Provavelmente” / “It Must Be Heaven”
Realização | Elia Suleiman
Argumento | Elia Suleiman
Fotografia | Sofian El Fani
Montagem | Véronique Lange
Interpretação | Elia Suleiman, Tarik Kopty, Kareem Ghneim, Asmaa Azaizeh, Grégoire Colin, Vincent Maraval, Claire Dumas, Stephen McHattie, Kwasi Songui, Alain Dahan, Gael García Bernal, Ossama Bawardi
Produção | Martin Hampel, Thanassis Karathanos, Michel Merkt, Serge Noël, Zeynep Ozbatur Atakan, Laurine Pelassy, Elia Suleiman, Edouard Weil
Alemanha, França, Turquia, Canadá, Palestina, Qatar | 2019 | Comédia | 102 minutos | Maiores de 12
Cinema Dolce Espaço
29 Ago 2020 | sab | 21:15
Quando falamos de um país em conflito como a Palestina, tornam-se evidentes as reticências face à situação extremamente delicada do ponto de vista humanitário que se vive na região e cuja solução não se perfila num horizonte próximo. Isso torna-se particularmente evidente se um dos interlocutores tiver algum tipo de ligação àquele país. Todavia, quando Elia Suleiman se propõe analisar o conflito numa perspetiva comparativa com outros países do mundo industrializado, não há dúvida de que a ironia toma conta da mensagem. Ainda que incisiva e particularmente contundente, ela dá-se a ver de forma clara, torna-se acessível, deixa-se abordar sem reservas nem tabus. E aí, talvez vejamos coisas que nunca tivéssemos visto ou sequer imaginado.
Para narrar esta história metaficcional, na qual Elia Suleiman se desloca a Paris ou a Nova Iorque no intuito de promover o seu filme (o mesmo que está a passar na tela), o realizador faz um uso muito peculiar da comédia, fundando-a num rigor existencialista. Esse recurso, que podemos designar de humor ontológico, opõe-se à ideia generalizada de um humor sustentado numa sucessão de gags, antes optando por mergulhar na problematização de uma realidade estereotipada, rompendo, justamente, com o preconceito que mina este tipo de discurso e se relaciona, em primeira mão, com a atitude hipócrita dos países ditos desenvolvidos face ao conflito. Habilmente, Suleiman descreve-se a si próprio como alguém cuja verdadeira identidade apenas cabe dentro das fronteiras do seu próprio país. Uma vez do lado de fora, está condenado a ver-se reduzido a uma simples caricatura, como facilmente se percebe na reação de um taxista ao saber que seu cliente é de Nazaré.
Elia Suleiman faz de cada plano um tempo de contemplação. Mais do que provocar o riso, ele quer que o espectador tenha tempo para perceber do que se está a rir. O imediatismo não tem aqui cabimento, o que importa é que cada um entenda os fundamentos do humor, mesmo correndo o risco de o riso vir a adquirir um tom amarelo. Por meio da contextualização de um universo delirante, em que americanos vão às compras de arma pesada a tiracolo e as rondas de segurança nas ruas de Paris são feitas por carros de combate, o realizador explora o hiper-realismo, negando ao espectador a possibilidade de olhar o mundo em volta de forma imparcial. Na sua simplicidade, “O Paraíso, Provavelmente”, encerra uma proposta muito sensível e comprometida com o problema ético. A mesma ética de que fala Spinoza, os assuntos transcendentais do universo atribuíveis exclusivamente aos seres humanos e nunca ao destino ou a qualquer outra força superior. Talvez por esse motivo sejamos tão imperfeitos.
Realização | Elia Suleiman
Argumento | Elia Suleiman
Fotografia | Sofian El Fani
Montagem | Véronique Lange
Interpretação | Elia Suleiman, Tarik Kopty, Kareem Ghneim, Asmaa Azaizeh, Grégoire Colin, Vincent Maraval, Claire Dumas, Stephen McHattie, Kwasi Songui, Alain Dahan, Gael García Bernal, Ossama Bawardi
Produção | Martin Hampel, Thanassis Karathanos, Michel Merkt, Serge Noël, Zeynep Ozbatur Atakan, Laurine Pelassy, Elia Suleiman, Edouard Weil
Alemanha, França, Turquia, Canadá, Palestina, Qatar | 2019 | Comédia | 102 minutos | Maiores de 12
Cinema Dolce Espaço
29 Ago 2020 | sab | 21:15
Quando falamos de um país em conflito como a Palestina, tornam-se evidentes as reticências face à situação extremamente delicada do ponto de vista humanitário que se vive na região e cuja solução não se perfila num horizonte próximo. Isso torna-se particularmente evidente se um dos interlocutores tiver algum tipo de ligação àquele país. Todavia, quando Elia Suleiman se propõe analisar o conflito numa perspetiva comparativa com outros países do mundo industrializado, não há dúvida de que a ironia toma conta da mensagem. Ainda que incisiva e particularmente contundente, ela dá-se a ver de forma clara, torna-se acessível, deixa-se abordar sem reservas nem tabus. E aí, talvez vejamos coisas que nunca tivéssemos visto ou sequer imaginado.
Para narrar esta história metaficcional, na qual Elia Suleiman se desloca a Paris ou a Nova Iorque no intuito de promover o seu filme (o mesmo que está a passar na tela), o realizador faz um uso muito peculiar da comédia, fundando-a num rigor existencialista. Esse recurso, que podemos designar de humor ontológico, opõe-se à ideia generalizada de um humor sustentado numa sucessão de gags, antes optando por mergulhar na problematização de uma realidade estereotipada, rompendo, justamente, com o preconceito que mina este tipo de discurso e se relaciona, em primeira mão, com a atitude hipócrita dos países ditos desenvolvidos face ao conflito. Habilmente, Suleiman descreve-se a si próprio como alguém cuja verdadeira identidade apenas cabe dentro das fronteiras do seu próprio país. Uma vez do lado de fora, está condenado a ver-se reduzido a uma simples caricatura, como facilmente se percebe na reação de um taxista ao saber que seu cliente é de Nazaré.
Elia Suleiman faz de cada plano um tempo de contemplação. Mais do que provocar o riso, ele quer que o espectador tenha tempo para perceber do que se está a rir. O imediatismo não tem aqui cabimento, o que importa é que cada um entenda os fundamentos do humor, mesmo correndo o risco de o riso vir a adquirir um tom amarelo. Por meio da contextualização de um universo delirante, em que americanos vão às compras de arma pesada a tiracolo e as rondas de segurança nas ruas de Paris são feitas por carros de combate, o realizador explora o hiper-realismo, negando ao espectador a possibilidade de olhar o mundo em volta de forma imparcial. Na sua simplicidade, “O Paraíso, Provavelmente”, encerra uma proposta muito sensível e comprometida com o problema ético. A mesma ética de que fala Spinoza, os assuntos transcendentais do universo atribuíveis exclusivamente aos seres humanos e nunca ao destino ou a qualquer outra força superior. Talvez por esse motivo sejamos tão imperfeitos.
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